Aposto que, quando você olhou para este tema, você pensou na força e na potência da raiva do Top sobre o Bottom, sua voz grossa, potente, mandona e autoritária. Como, muitas vezes, acatamos suas ordens quando sua voz é raivosa. Pois bem, a raiva é uma emoção muito bem utilizada no BDSM, porém de maneira, muitas vezes, errônea.
Mas como podemos utilizar a raiva de maneira funcional, não só ao longo da sessão – até porque, muitas vezes isso é validado e bem utilizado; mas como podemos usar isso, principalmente na parte da negociação do BDSM. Já falei muitas e muitas vezes aqui que o Tesão nos deixa burro. Vamos pensar em uma ponderação, em uma balança. Temos duas emoções em Jogo, conflitantes: o amor (adoração) e a raiva. Quando estamos em uma negociação, muitas vezes o tesão está falando mais alto, estamos pensando no que podemos fazer, onde podemos atuar, ou seja, o amor, ou melhor a adoração está em alta. E, consequentemente, a raiva está em baixa, o que nos impossibilita de conversarmos de maneira assertiva e de, principalmente afirmarmos nosso ponto de vista.
A raiva, como todas as emoções desagradáveis de sentir, tem o poder de proteger a nossa vida. Mas, diferente do medo que nos protege de amaças; do nojo que nos protege de envenenamento físico e social; e a tristeza que nos faz refletir sobre nossos erros. A raiva tem a função de reafirmarmos nossos valores, nossas escolhas, nossos desejos, nosso ponto de vista. Quando ela aparece, ela fala para nós que nos sentimos afastados das nossas propostas, das nossas metas, que não estamos sendo entendidos etc., etc., etc.,
Não sei se vocês conseguem pensar a importância disso dentro do BDSM, principalmente no momento da negociação. A negociação no BDSM, assim como a entrevista inicial na psicoterapia, vai determinar mais de 50% de todo o acompanhamento e desenvolvimento daquela relação. Temos que expor nosso ponto de vista, nossos desejos, nossos limites, de certa forma, nossas fragilidades e potencialidades. Dependendo muito de quem estamos na negociação, dos dois lados: 1) o Bottom pode tentar forçar o Top a fazer suas vontades e, nesse momento é socialmente validado que o Top bata, xinga, faça o que ele sabe fazer de melhor para expor o seu ponto de vista e suas vontades. Resultado: Raiva validada e atendida com sucesso. Mas realmente ela deveria ser validada dessa forma? Ignorando os desejos do Bottom e deixando os desejos do Top no lugar?
Mas também tem o lado 2 da história quando o Top tenta convencer o Bottom naquela prática específica ao longo na negociação e, o Bottom, movido pelo tesão do momento, acaba aceitando para evitar confronto, muitas vezes, receando que o Top a deixe de lado para que fique com alguém tope todos seus gostos e fetiches. Resultado: Raiva não validada, supressão da raiva e não expressão de habilidades básicas de enfrentamento e autocontrole.
Diferente do que pintam na nossa sociedade atual, a raiva não é nenhuma vilã. A vilania está na forma como ela se mostra e é conduzida na nossa sociedade como um todo. O problema não está na raiva, o problema está na expressão desta. E esse é o grande x da questão. No contexto do BDSM, a raiva é amplamente validada e, algumas vezes até esperada dependendo do contexto. Sempre que estamos falando em emoções, temos extremos, ou ela funciona demais, ou ela funciona de menos. Se funcionasse com homeoestase, com ponderação, eu não estaria aqui escrevendo sobre isso (leia com ironia). No BDSM, ainda mais na visão do Top é amplamente validada e chega a beirar o abuso, seja ele físico ou psicológico. O meu papel aqui, falando da raiva é justamente fazer vocês entenderem que o que acontece muito é que no Top a raiva está acima do esperado, amplamente validada e esperada enquanto no Bottom há uma inibição e uma supressão da mesma. Uma boa relação, seja no BDSM, seja fora dele, essas emoções precisam estar presentes com ponderação.
O problema é que, em alguns momentos esta raiva, assim como as outras emoções, precisam estar presentes em diversos outros momentos. Ela precisa estar presente, junto com o amor/adoração na hora da sessão, ela precisa estar junto da tristeza na hora de repensarmos nossas práticas ou com o nojo para nos ajudar a nos afastar daquela pessoa cujo comportamentos não aceitamos.
Se persistirem os sintomas, procure um terapeuta mais próximo.
AUTOR:
DR PSI
Psicólogo, especialista em terapia cognitivo-comportamental, psicopedagogia clínico e institucional e atualmente especializando em neurospicologia. Sempre fui interessado no mundo do BDSM, com a primeira experiência por volta dos 19 anos. Atualmente interessado em disseminar esta cultura em seus diferentes aspectos e as influências psicologias que estão atreladas.
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Uma resposta
Negar os sentimentos humanos é viver num mundo irreal. Todos nós apresentamos todos os sentimentos em maior ou menor intensidade, porém como muito bem dito o problema não está nos sentimentos, e sim na forma como entendemos e expressamos estes. A maturidade nos traz este domínio – ou, ao menos, deveria trazer.
Ninguém é feliz e nem amargurado o tempo todo. E a raiva é um dos sentimentos mais frequentes e comuns a nós todos.