LITURGIA

25/06/2021

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Olá danadinhos e danadinhas, todos bem?

Hoje eu quero trazer aqui uma reflexão sobre um assunto desgranhento no BDSM, a tal da liturgia. Quero te propor vir comigo, de coração aberto e não entenda isso como um Ode à liturgia, mas, uma ponderação de como algumas palavras podem vir a nos influenciar, seja para o bem, como para o mal.

Então, bora lá?

Antes de eu entrar na liturgia especificamente, quero abrir o pensamento a respeito do signo x significado x significante. Calma, calma, não vou começar a falar de astrologia não! Vou falar de figuras de linguagem mesmo.

O linguista francês, Émile Benveniste em seu livro “Indo European language and society” reproduziu seu pensamento dizendo que “a linguagem é um sistema de signos socializado, ou seja, seus elementos só adquirem significado quando inseridos em contextos de relação, pois cada signo por si só não possui significado relevante. Por este motivo é que os conceitos de linguagem e cultura não existem isoladamente, cada cultura, cada época e cada tecnologia constrói e articula sua linguagem de maneira a atender seus mais variados interesses e necessidades.”

Ao pensarmos na linguagem verbal, os signos linguísticos são, os responsáveis pela “representação das ideias”, sendo esses signos as “próprias palavras” que, por meio da fala ou da escrita, associamos a determinadas ideias.

O signo linguístico representa a soma do significante e do significado.

Vou exemplificar para ficar mais fácil: ao ouvir o signo linguístico (palavra) “casa”, você pensará nas letras que a compõem (c-a-s-a) e nos fonemas que a representam (/k/ /a/ /s/ /a/) – isso é o significante.

Porém, ao mesmo tempo, a palavra “casa” te abrirá um leque de possibilidades na sua memória linguística sobre o que é e como é uma casa. Para você, uma casa pode ser uma construção média com 4 cômodos, janelas de frente para a porta de saída. Para o outro a memória de uma casa é uma construção de madeira, pequena, com 2 cômodos, tudo bem apertadinho. Para uma terceira pessoa, uma casa pode ser uma construção espaçosa, ampla, clara, arejada. Ou seja, cada um tem uma percepção pessoal da palavra “casa” – isso é o significado.

Vocês podem estar pensando “a Sra Storm enlouqueceu! O que isso tem a ver com a liturgia e com o BDSM?”

Pois bem, daí eu respondo que, ainda não estou enlouquecendo e que sim, isso tem tudo a ver com o meu entendimento sobre o desconforto do uso da palavra liturgia pela comunidade!

Se você se der ao trabalho de procurar o “significado” de liturgia para o dicionário online, você encontrará:

Liturgia – substantivo feminino

Reunião dos elementos ou das práticas que fazem parte de um culto religioso, especialmente de uma missa católica.
Conjunto dos modos usados no desenvolvimento dos ofícios e/ou sacramentos; rito ou ritual.
[Religião] Segundo as ciências eclesiásticas, a história do culto católico.
[Por Extensão] Também se pode referir à missa; a própria missa.

Etimologia (origem da palavra liturgia). Do grego leitourgia “função pública”; pelo latim liturgia.

Exemplos do uso da palavra liturgia:

O Estado teme a influência do evangelismo americano e, de fato, a liturgia de algumas das igrejas domésticas tem natureza semelhante. Folha de S.Paulo, 14/09/2011
Aquela mãe riponga de três décadas atrás precisou de um tempo para se habituar à liturgia do cargo. Folha de S.Paulo, 25/09/2011
Pianista que transitava entre uma base formal e os temas populares, revolucionária por causa do “Corta Jaca” – tango que, contra a liturgia de então, foi tocado a partir de 1914 na sede da Presidência do República e nos salões elegantes -, ela produziu centenas de composições, parte delas para 77 peças de teatro. Folha de S.Paulo, 14/09/2009

Vocês conseguem perceber que os exemplos 2 e 3 nada tem a ver com “missa”? Que não possuem nenhuma “conotação religiosa”?

Agora vamos lá …

Acredito que todos concordem comigo que, com base naquela explicação que eu trouxe sobre significante e significado, o “significado” da palavra liturgia, não abre em nossas memórias linguísticas nada muito diferente do que um ato de caráter religioso, não é mesmo? Eu pelo menos nunca vi, ninguém, que em um primeiro momento ao ouvir o significante “liturgia” não tenha na cabeça o significado afastado de algo religioso!

Pois é exatamente nesse momento que eu entendo que o caldo entorna dentro do BDSM!

Muita gente não gosta, não quer, ou até mesmo tem ranço de tudo que seja ligado à religião e, por esse simples motivo, acreditam que “negar a existência” do propósito da liturgia dentro do BDSM, é muito mais fácil do que tentar entendê-la!

Em linhas beeeem gerais, a nossa “liturgia” seria apenas um “compêndio” das bases e dos protocolos existentes no costume no BDSM.

Vejam que eu escrevi “costume”, simplesmente por que é exatamente isso! Não existe em lugar nenhum no mundo, um “tratado” que verse sobre tudo no BDSM. O que existe são pessoas que vem durante os anos pensando a respeito do BDSM e colocando seus pensamentos em artigos, livros e etc.

Aqui no Brasil, eu realmente não sei por que cargas d’água a gente decidiu usar uma palavra de significado tão religioso para juntar costumes de práticas “nada ortodoxas” vamos por assim dizer, mas, no final do dia, a liturgia é somente isso, “um compêndio que versa sobre as bases e protocolos do bdsm”.

Então, no meu entendimento, se você se posiciona firme e forte no sentido de que é preciso adotar e respeitar uma base, é preciso respeitar a safeword, é responsabilidade do Top prestar o Aftercare, e mais, se você é bottom mulher que sonha com uma cerimônia das rosas, eu lamento te trazer essa triste notícia, mas você é sim, uma pessoa que segue a liturgia!

Depois de tudo isso dito, eu também não vou deixar de citar que eu sei que tem muita gente de caráter duvidoso por aí, abusando a torto e a direito, e se dizendo litúrgico! E eu sei que isso também faz com que as pessoas peguem ranço da tal da liturgia.

Mas meus amigos, é como eu sempre digo é sempre vou repetir: “conhecimento é poder”!

E se você tem conhecimento do que é certo e do que é errado no BDSM, pode vir o Papa na sua frente falar que está te abusando por que é litúrgico, que você não vai culpar a liturgia pelo abuso, mas sim o Abusador por estar utilizando de forma errada a ferramenta.

BDSM é simples, mas como eu sempre digo, assim como tudo na vida, todo mundo precisa de um pouco de boa vontade para, primeiro entender, depois tentar mudar!

Um excelente final de semana a todos!

Hidratem-se
Sra Storm

AUTORA: SRA STORM

Chef de cozinha e empreendedora da área de alimentos e no BDSM Top dedicada às práticas de Wax Play, Flogging, Branding, Castidade e Inversão e algumas outras pequenas perversões!Instagram: @darkroomcla com conteúdo instrutivo da subcultura Kink e BDSM.