Vem que o tio te ensina! Na cena BDSM é “comum” nos entregarmos ao bel prazer de outra pessoa. Mestre Barbudo que o diga, especialistas em novatos, iniciantes e curiosos. Mas quantas vezes nós terceirizamos nosso prazer à outras pessoas, que, muitas vezes não tem a menor noção do que gostamos ou não.
No início do século XX, um psicólogo russo chamado Vygotsky descreveu acerca do potencial de desenvolvimento humano, com um temo chamado Zona de Desenvolvimento Proximal, ZDP para os íntimos. Ainda nos primeiros semestres da faculdade, aprendi que esta zona é um andaime que apoia o desenvolvimento da criança sobre o que ela sabe e o que ela ainda não sabe, ou seja, o que ela é capaz de aprender. Esta teoria é aplicada em relação ao desenvolvimento infantil, porém, isto pode ser aplicado para praticamente tudo o que vamos fazer em nossa vida. A mesma teoria se aplica quando estamos falando de prazer/educação sexual.
Há meses venho batendo na tecla de que precisamos nos conhecer, conhecer nossas emoções, conhecer nossos limites e vontades. No BDSM essa importância dobra, pois precisamos reconhecer, além de tudo isso, o que é um BDSM saudável e o que é um BDSM doentio.
É mais comum do que se deveria ver as pessoas inexperientes que se aventuram no BDSM e que, muitas vezes não se conhecem de forma autêntica, não conhecem seu corpo, não conhece suas vontades, seus limites, se submetem ao que eu chamo de pseudodominadores, tops que se escondem dentro de um título para abusarem de pessoas inexperientes. De fato, o BDSM abre portas de experiências vivenciais que normalmente não somos expostos no sexo baunilha. Passamos a conhecer nosso corpo, temos novas sensações. Mas cabe a nós conhecer previamente nosso corpo.
Quando passamos pela adolescência, é esperado que passemos um tempo destinado a conhecer nosso corpo. Masturbação serve para isso. Na atualidade, posso brincar que os nudes também servem para conhecermos nosso corpo, pois através dele passamos a conhecer nosso corpo, as posições, orifícios, cumprimentos, pelos, curvas e saliências.
Porém, nem só de um corpo é feito o sexo. Quem acredita nisso, perdão, não sabe absolutamente nada sobre. Sexo é feito também pelo pensamento. O que gosto no BDSM é que, grande parte do erotismo é velado, é erótico sem ser sexual. Te insta a saber o que há por baixo daquela roupa, daquela máscara, sem necessariamente precisar ver o que tem por trás daquilo. Para isso, precisamos conhecer, não só o outro, mas a si mesmo.
Adoro quando falam que “o tio/tia te ensina” ou que “eu faço o que te dá prazer”, mas quando pergunta para a pessoa o que ela sente prazer, esta não sabe responder. Como eu vou dar prazer para uma pessoa se eu não sei o que me traz prazer? É fácil terceirizar o sexo, o prazer, o tesão. Mas é difícil sentirmos prazer sozinhos. A pandemia, para alguns, serviu para ensinar que as pessoas podem sentir prazer de outras formas. Que podemos sentir prazer sozinhos! Relação sexual sempre vai depender de uma outra pessoa, mas o prazer, é próprio. Autosacrifício é penoso apenas para si mesmo, para os outros é uma maravilha.
A reflexão que eu deixo para nossa semana é pararmos um instante para nos conhecermos. Antes de pensarmos em falar “eu faço tudo que te dá prazer”, antes de fechar um contrato com um Top e falar que você está aberto(a) para tudo, pense no que você realmente gosta, pense no quanto você está se sacrificando pelo prazer do outro e está terceirizando o seu próprio prazer. Não existe esta história de que eu não tenho vontades, sou aberto(a) a tudo e não tenho preferências. Todos temos. O prazer sempre é mútuo. Se eu for sair com uma pessoa onde eu não vou ter prazer, vou deixar o prazer para a outra pessoa, eu fico em casa e me masturbo. Brinquedos sexuais servem para isso.
Se persistirem os sintomas, procure um terapeuta mais próximo.
AUTOR:
DR PSI
Psicólogo, especialista em terapia cognitivo-comportamental, psicopedagogia clínico e institucional e atualmente especializando em neurospicologia. Sempre fui interessado no mundo do BDSM, com a primeira experiência por volta dos 19 anos. Atualmente interessado em disseminar esta cultura em seus diferentes aspectos e as influências psicologias que estão atreladas.
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Uma resposta
Penso que a grande maioria de nós foi criada pensando no prazer como algo secundário, menos importante… somos ensinados a respeitar, termos compaixão e empatia, mas a satisfação pessoal é vista quase como algo fútil. E, libertar-se deste preceito não é nada fácil… Sim, há quem tenha prazer em satisfazer o outro – o que não é errado – mas desde que não anulemos nossos desejos em função dos desejos de outros. No final, quem dorme com sua consciência é só você mesmo…