SESSÃO

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Uma sessão BDSM envolve muito mais do que tesão. É sobre sexo, é sobre prazer, é sobre libido, mas, principalmente, é sobre pessoas e suas emoções e expectativas. Por isso, meus acordos são muito bem alinhados antes que eu siga rumo a uma sessão. Vou apresentar o meu “caminho das pedras“, me acompanha?

O Processo

O principal componente das minhas relações é o diálogo, onde procuro conhecer as pessoas com quem vou jogar, seus anseios, receios e limites. Antes de entrarmos em cena, somos apenas seres humanos com afinidades e gostos semelhantes compartilhando nossos desejos.
Nenhuma sessão é igual a outra e não tenho exatamente um roteiro com práticas pré-determinadas. Tudo vai depender do que eu acordei com a outra pessoa e das nossas vontades a serem saciadas naquele momento, mas o que não pode faltar são os acordos, os limites, os sinais indicativos de início e término de uma sessão, a safeword, o aftercare e os feedbacks.

A Negociação

Eu não sei dizer ao certo tudo o que me atrai em uma pessoa, pois são vários fatores e eu nunca os listei por completo. Quando estou consumindo algum conteúdo (seja por texto, livro ou filme) e aquilo me dá alguma ideia de algo que queira experimentar ou vivenciar eu anoto em algum lugar (as vezes anoto no celular, outras vezes em um caderninho ou repito várias vezes em voz alta para lembrar de algo que, no momento, não posso esquecer. Acredite, funciona! Essa ideia de repetir em voz alta me ajuda tanto que também uso para me lembrar sobre uma matéria que cairá em prova e citações de livros que eu gosto, hehehe).
Às vezes estou conversando com uma das minhas posses ou tomando o café e conversando com algum amigo e amiga, e qualquer situação dá um gatilho e me faz lembrar daquilo e, dali em diante, começo a planejar as coisas. Tudo começa primeiro no meu imaginário, eu planejo o que quero fazer, como quero fazer e qual sensação quero ter durante e após aquela experiência. Reviso isso inúmeras vezes até que proponho para a outra pessoa.
Perceba que eu só divido com a pessoa depois de ter pensado bastante no assunto e imaginado um bocado mais. Claro que minha experiência acaba me auxiliando na elaboração de roteiros mentais mais assertivos e que eu consiga prever os erros, e é óbvio que nem sempre foi assim, mas é assim que eu faço hoje em dia. Sei que esse planejamento mental não ocorre apenas comigo, pois a outra pessoa também cria uma ideia completamente idealizada de como os elementos se organizarão, então, aqui se faz necessário o diálogo.
Eu explico pausadamente o que quero fazer, como quero fazer e o que tenho planejado, a outra pessoa também cria suas expectativas a partir daqui.
Nesse momento, eu pergunto coisas básicas como “você tem alguma restrição que eu te chame de vadia?” até “como estão seus exames de sorologia?”. Algumas coisas parecem óbvias mas não são, nem todo mundo gosta de ser chamado por uma palavra ou outra que está ‘culturalizado’ como um adjetivo sexual. Eu preciso me certificar de que a pessoa gosta das mesmas coisas que eu e tem parte das mesmas responsabilidades que eu tenho e terei naquela prática.
Dependendo do que quero fazer, vale uma recomendação cinematográfica, sabe? Se eu tive uma ideia a partir de um filme, recomendo o mesmo filme que eu e aponto exatamente qual cena me deu a ideia. Recentemente conheci o Scaner, um aplicativo que permite assistir filmes e comentar a distância, acho ótimo para que você e a outra pessoa tenham exatamente a mesma compreensão do que farão.
Quando estou negociando uma relação a longo prazo (D/s), eu também recomendo filmes que apresentem relações duradouras. Digamos que não dá pra garantir que todos os envolvidos tenham a mesma visão sobre o ocorrido e ao verbalizar que você quer uma coisa, não podemos garantir que a outra pessoa tenha pleno entendimento do que está sendo verbalizado, porque linguagem é isso, né? A linguagem é falha e nem todo mundo entenderá a mesma coisa, mas nós podemos nos esforçar em diminuir os ruídos.
Então minha ideia de negociação não é única, pois eu faço perguntas e proponho filmes para o relacionamento (D/s), e faço outras micro-negociações e outras recomendações para as sessões e práticas dentro desse relacionamento.
Para que essa parte fique mais clara, recomendo a leitura do texto “negociação a ponte do imaginário pro real” da Belarina.
Obs: Eu sempre coloco dois mecanismos de ‘safeword’. Um verbal (uma palavra, como vocês conhecem) e outro que é dar ‘dois tapinhas’. Dê dois tapinhas em mim, no chão, na parede, qualquer lugar ou superfície (para isso, eu preciso me certificar que a música não estará alta o suficiente para não escutar).
Se eu for prender a mão da pessoa, eu não a amordaço. Se eu for amordaçar, não prendo as mãos. Esse é apenas um exemplo do cuidado que temos que ter para dar a possibilidade do meu companheiro ou companheira de parar.

A sessão

Quando é chegado o momento da sessão propriamente dita, visto minha máscara de dominador sádico e me deixo guiar pelas minhas pulsões de libido dentro dos limites da consensualidade. Nessa hora, entro no universo lúdico e tomo controle do que me foi permitido.
Como numa peça de teatro, absolutamente todos os detalhes se tornam grandiosos, porque são eles que entrarão em cena para tornar o momento mais intenso. Todo o ambiente assume uma atmosfera propícia ao que nos propomos e todos os sentidos são estimulados. Montamos um palco completo para que nossos desejos se permitam protagonizar essa história.
Assim sendo, um cenário se faz necessário, envolvendo desde a música, a iluminação, os cheiros e as vestes, permitindo aos participantes do jogo que entrem mais profundamente em suas personas sexuais. A intenção é que as máscaras de nossas personas, se fundam intrinsecamente com os nossos seres, trazendo à tona o que antes estava guardado, retido, apenas ansiando para se satisfazer.

Antagonicamente, onde, por opção, se constrói um cárcere para pessoas, os desejos podem correr livremente, saindo de suas prisões morais, aparecendo um a um, leves e dançantes, onde podem ser vistos sem julgamentos, estalando de felicidade a cada sensação de realização.
O palco montado exclusivamente para estes desejos, tem a função de garantir que ali, eles serão aceitos, que não precisam se envergonhar por serem quem são, nem se culpar ou se esconder. Quando as cortinas se abrem e esses desejos se tornam protagonistas, muitos deles, estão vendo a luz pela primeira vez, o que pode ser muito emocionante e intenso, pois agora eles estão em evidência.
E como atores, iniciantes ou experientes, os desejos passam por adaptações, mudanças e evoluções. Alguns se realizam e não desejam voltar mais, outros querem beber da audiência novamente, um grupo diferente quer se aprofundar. Tudo isso se torna evidente a partir do momento que nos apresentamos e quando as cortinas se fecham, os desejos se direcionam aos camarins de nossas mentes.

Em outras palavras, quando digo que “você não tem mais vontades, seu único objetivo aqui é me servir e será um objeto para me satisfazer. Cala a boca e aceita”. Por mais durão e autoritário que soe, a pessoa ainda tem suas vontades, pois eu estarei exercendo a função autoritária e abusiva que ela cultivou e repudiou em seu íntimo.
O que aconteceu, aconteceu e foi real para nós. Eu não estou fingindo ou atuando um sádico, meu corpo responde por isso, mas eu não gosto e não quero bater em pessoas. Não sou autoritário e grosseiro com pessoas sem necessidade e no meu cotidiano, por isso, aqui dentro, quando começam as práticas, eu boto (ou tiro) a máscara e damos vazão a outras pessoas e é delas e para elas que será o espetáculo.
Tudo o que aconteceu ali, ficou ali. Posso resumir uma mulher a um reservatório de porra, ou um homem a lixo humano e descartável, mas no final são apenas expressões que atiçam nossa libido e nos levam ao orgasmo. Repudio toda e qualquer manifestação desse tipo de comportamento fora desse nosso momento.

“Quer um copo d’água?”

Ainda na negociação, deixo claro que quando reproduzir essa frase, significa que estamos encerrando as práticas e voltaremos, aos poucos, a sermos quem éramos. Esse é o meu sinal verbal que o aftercare está começando. O que acontecerá dentro do aftercare não é fixo e pode variar de acordo com a necessidade de cada um e perdurar por alguns dias, seguido de comunicação para feedbacks.

“Bom, eu bati, xinguei, humilhei e tudo mais com a pessoa, eu sou um monstro ou um psicopata?” Como disse nesse texto, fiquei me perguntando isso por muito tempo! Com o tempo a resposta veio, mas minhas camadas do aftercare também aumentaram consideravelmente para que eu não sentisse culpa ou medo após as sessões. Conversar com a pessoa e ela me falar o que sentiu, como sentiu, e conversarmos sobre é uma das coisas que todos deveriam fazer, no entanto, não é só isso.
Seu corpo teve uma explosão hormonal que surtirá efeito nos próximos minutos, horas e até dias. Então vou acendendo a luz aos poucos, abaixando a música, mudo de ambiente e em minha geladeira sempre tem água de coco pois ela tem bastante sódio, é ótimo para nos re-hidratarmos e principalmente voltar a realidade, se a pressão caiu durante e não percebeu, água de coco será um ótimo aliado e não se esqueça de limpar os ferimentos e não é só sua responsabilidade (como dominante) fazer isso, ok? A outra pessoa também deve verbalizar o que está doendo, o que não, e deve rolar uma comunhão de bons tratos e reparos.

Além disso, eu como chocolate. Sempre tenho uma barra de alpino na minha geladeira para comer depois das sessões, eu percebi que comê-lo limpa os meus pensamentos de culpa e receios, o que é útil porque quase sempre as mulheres que eu me relaciono também adoram chocolate. É quase um “Ok, vamos comer chocolate e conversar?” pra mim é muito útil, mas nem sempre.
Uma das minhas posses adora comida japonesa e aftercare com sushi é de longe uma ótima pedida também, hehehe!
Mas a real é: Não existe um padrão, tá? Converse com a pessoa, pergunte “quando você está na bad, o que geralmente você faz para sair dela?”, e deixe que a pessoa te responda como ela adoraria que fosse o aftercare. Há pessoas que preferem assistir um desenho animado e comer pizza depois, e há pessoas que preferem ficar em silêncio por mais uma hora ouvindo Legião Urbana. Não nos cabe julgar, apenas acordar e seguir.
Poder viver a minha sexualidade de forma plena, responsável e sem culpa é, antes de tudo, um ato político de quem milita pela causa kink cotidianamente em busca de conscientizar as pessoas de que está tudo bem não ter os mesmos prazeres que o padrão normativo tenta impor e que nossas práticas não devem ser marginalizadas por isso. 
Depois de um dia ou dois, mando uma mensagem perguntando se está tudo bem, se a pessoa está dormindo bem e se alimentando bem, se ficou algum resquício de pensamento ruim e dou abertura para ela fazer o mesmo comigo. Pronto, mais uma sessão (seja avulsa ou cotidiana) muito bem feita e que não gerará problemas aos envolvidos.
Espero que você tenha gostado, será um prazer saber que você pôde extrair algo pra ti! Se precisar de algo, conte comigo!
Um ótimo 24/7 pra ti e pra seus companheiros e companheiras e vamos viver nossos desejos sempre de forma prazerosa, ok? Abraços!

AUTOR

Mestre Sadic​​​​

​Estudo o universo fetichista desde 2010 e iniciei as práticas em 2013. Hoje dou palestras sobre o fetiche, tiro dúvidas e mentoro novatos. Tenho como objetivo propagar conhecimento e não me aproveitar dele.

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