A NECESSIDADE DE VALIDAÇÃO DENTRO DO BDSM

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E aí querido leitor, tudo bem com você? Gostaria de convidá-lo a refletir em sintonia com os outros textos produzidos aqui neste portal. Essa semana tivemos o texto “Ego, Arrego e BDSM” do Dr Psi e também o “BDSM, palco para egos frágeis” da Sra Storm. Gostaria de complementar com algumas reflexões, visto que esse assunto me interessa e, portanto, gostaria de brindá-los com mais detalhes dessa elaborada trama chamada BDSM e seu aspecto mental.

Quando estamos falando sobre “EGO”, precisamos reforçar que somos seres bio-psico-sociais, portanto, além dos fenômenos físicos relacionados ao corpo e à mente, o contexto social de nossa criação também influencia esses dois aspectos e, por sua vez, estando dentro de uma comunidade como o BDSM, esse pequeno fator ganha todo o destaque para nossa análise futura. 

A necessidade de validação

Vou apresentar alguns vieses sobre o tema, me acompanha?

Em algum grau é natural do ser humano a necessidade de agradar o outro, de sentir-se aprovado e acolhido em suas ações e pensamentos. O psicólogo americano Abraham H. Maslow apresentou em 1943 em um artigo chamado “Uma teoria da motivação humana” o que hoje conhecemos como Teoria da Hierarquia das necessidades de Maslow, Pirâmide de Maslow ou Teoria de Maslow.

Nesse estudo, o psicólogo descreve que as necessidades do ser humano se dão em uma escala hierarquizada, onde uma vez atendidas as necessidades mais básicas, passamos a ter outras necessidades em uma escala de prioridades, conforme figura abaixo.

A pirâmide de Maslow é utilizada em áreas como a psicologia, administração, marketing, etc., mas aqui nos interessa especificamente olhar para a terceira (relacionamentos sociais) e a quarta (estima) estruturas da pirâmide, relacionadas, respectivamente, às necessidades de pertencimento a um grupo social e de obter reconhecimento em suas capacidades.

Existem duas vertentes acerca da validação a serem consideradas na comunidade do BDSM. A primeira que eu caracterizo como positiva e saudável é a que busca no acolhimento dos seus pares um lugar seguro para vivenciar seus prazeres. Quanto a isso, Cynthia Slater, em um artigo da revista Modern Drummer de 1979 sobre a Society of Janus, escreveu:

“Qualquer pessoa que faça parte de uma minoria sexual neste país, não importa o quanto tenha trabalhado sua mente ou quanto apoio externo receba, sempre carrega os resquícios do que a sociedade lançou sobre ela. Você nunca fica 100% livre disso. Tenho meus momentos em que alguém me olha de forma engraçada e isso é um gatilho para mim. Mas posso lidar com isso agora porque tenho algo que equilibra isso. Posso entrar em uma reunião da Janus e estar cercada por ótimas pessoas que me validam”.

Slater sinaliza aqui a necessidade de validação por pertencermos a uma parcela da sociedade estigmatizada por ter uma sexualidade desviante, então, buscamos a validação para atender às estruturas 3 e 4 da pirâmide de Maslow por já sermos discriminados pela maioria da sociedade. 

Há, no entanto, um segundo viés sobre a validação nada positivo que permeia nossa comunidade. Nesse segundo ponto de vista, já não é mais uma necessidade da pessoa em buscar validação para se sentir mais segura e sim uma necessidade da comunidade em validar os demais integrantes. Na minha opinião, isso é grave, pois funciona mais como uma forma de segregação do que acolhimento.

Podemos observar isso quando há uma pressão para que o praticante registre fotos de suas práticas para provar que é um “verdadeiro BDSMer”, que frequentem constantemente os círculos sociais ou, ainda, que esteja em um relacionamento D/s. Se a pessoa não atende a esses requisitos, ela não ganha o respeito dos demais.

Aqui acho que vale pararmos para refletir sobre essas atitudes para não fazermos com nossos semelhantes o que o resto da sociedade já faz que é buscar na diferença uma justificativa para a exclusão.

Adendo: enquanto organizo meus pensamentos e transcrevo esse artigo, lembro-me de uma recente conversa com a Dommenique Luxor, em que ela posiciona justamente isso, a necessidade gritante de nós nos acolhermos e que essa consciência de comunidade precisa despertar, para que possamos ter essa força política e sermos reconhecidos como parte da nossa sociedade. 

No exemplo em questão, mencionou a marginalização e hostilização entre as sex workers e o quanto a própria comunidade as afasta deslegitimizando sua voz e espaço. 

Neste ponto, tanto Dommenique quanto Slater e eu estamos compartilhamos das mesmas ideias de que a nossa comunidade precisa ser inclusiva e não exclusiva e aqui mora a maior reflexão social que podemos ter acerca do BDSM vivido em solo nacional.

Se uma pessoa opta por não se expor, por viver seus fetiches de forma reservada, por viver suas práticas com play partners e não em uma relação D/s, por não frequentar baladas fetichistas, por não estar conectado nas redes sociais fetichistas, isso não muda a sexualidade dela, ao contrário, é apenas sua forma de vivenciar a sua sexualidade e cabe a nós como comunidade acolher essas diferenças também e entender que nem todos têm as mesmas necessidades e que farão escolhas diferentes das nossas.

É importante entender que ética e caráter não aparecem em fotos ou em cenas públicas, portanto, não será apontando dedos que passaremos a ser respeitados. A liberdade de expressão também se manifesta no silêncio.

Viver sua sexualidade sem receios é um ato político!

Conclusão:

Caetano Veloso, a professora Vera e o Dr Psi disseram que “Narciso acha feio aquilo que não é espelho”, e todos aqui concordamos que não devemos dizer que alguém é menos, só porque não é igual. Quantas discussões entramos sem que ambos os lados estejam aptos a ouvir e se propor a refletir? “Os egos são frágeis”, como diria a Sra Storm.

Existem muitas possibilidades de vivenciar as práticas BDSM e mesmo que estejamos falando de uma cidade onde a cena BDSM não está desenvolvida, ainda é possível que um habitante identifique uma sexualidade não convencional, uma vez que estamos à mercê dos algoritmos. Dessa forma, esses algoritmos irão nos apresentar contextos sexuais baseados em nosso comportamento na internet que irão atuar como estímulos na descoberta de uma nova sexualidade. Uma vez identificadas novas formas de prazer, o indivíduo pode satisfazer sua libido para além do envolvimento em círculos sociais e dos grandes centros urbanos.

Portanto, aquela pessoa que começou a se aventurar no BDSM, podendo ou não ter viajado para fora, é menos praticante do que alguém que é “conhecido na panelinha” e tira fotos incríveis? É preciso refletir bastante sobre essas questões para que a conclusão dessa linha de raciocínio não seja danosa para nós enquanto praticantes, pois, de outra forma, caminharemos sempre em direção contrária à inclusão.

Reforço as palavras da Slater: “Qualquer pessoa que faça parte de uma minoria sexual neste país, não importa o quanto tenha trabalhado sua mente ou quanto apoio externo receba, sempre carrega os resquícios do que a sociedade lançou sobre ela. Você nunca fica 100% livre disso.”. Ninguém se sentirá completamente seguro de tudo o que faz e gosta, pois somos fora do padrão comum de relacionamento e neste ponto nasce todas as necessidades de validação dentro da nossa comunidade, devemos reconhecer isso e nos unir para o crescimento e não criarmos novas barreiras que irão propor a segregação da comunidade. 

Até semana que vem, pessoal! 😉

AUTOR

Mestre Sadic​​​​

​Estudo o universo fetichista desde 2010 e iniciei as práticas em 2013. Hoje dou palestras sobre o fetiche, tiro dúvidas e mentoro novatos. Tenho como objetivo propagar conhecimento e não me aproveitar dele.

Café Fetichista: https://m.youtube.com/playlist?list=PLlRq4n48kKVE4hEDAtL_3EDYdiiSGwt1P

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