Pegando o gancho desse texto que a Sra Storm desenvolveu explicando as bases, me propus a escrever um pouco sobre elas, começando pelo RACK, depois passarei para o PRICK, visto que, para o SSC, tudo o que eu preciso dizer já disse aqui.
Me acompanha?
Safe, Sane & Consensual
Quando falamos do BDSM, o ponto de partida sempre é a sigla ‘SSC’. Estou longe de discutir a necessidade de termos ou não bases para o BDSM, visto que, em um discurso, todas girarão em torno do mesmo assunto: construir a ética e a responsabilidade dentro da nossa comunidade.
Como eu descrevi aqui, em 1971, em Chicago foi inaugurado um bar chamado Chicago Hellfire Club, que depois veio a ser o ponto de encontro do GMSMA (Gay Male SM Activists / Ativistas SM de Gay Masculino, atualmente NCSF, National Coalition for Sexual freedom). O grupo tinha como intuito definir algumas regras para os praticantes do SM dentro do Chicago Hellfire Club, assim como havia regras em todos os outros locais, ou seja, o objetivo do grupo era promover uma discussão e conscientização entre os praticantes (assim como os outros grupos fetichistas). Dessa forma, eles utilizavam essas três palavrinhas como slogan do GMSMA, pois, sendo um grupo composto por homens e homossexuais, o estigma social de doença e DST estava mais alto do que nunca, logo, protocolos de segurança para aquele tipo de convívio se fazia necessário.
Em 83, o David Stein entrou para o comitê do GMSMA para documentar todas as pautas e discussões do grupo e era ele quem redigia o slogan do grupo no final das atas e, por isso, ganhou o nome de inventor do termo SSC.
O GMSMA discutia ética entre os praticantes fetichistas, enquanto o bar definia suas regras de convívio (institucionalização das regras), mas esse termo ganhou uma promoção além da esperada. O Stein teve que se posicionar diversas vezes para tentar explicar qual era o intuito do GMSMA ao cunhar o SSC, e defendeu que o termo não era atemporal e muito menos fixo, pois a discussão de ética e moral deveria ser adaptada para cada grupo e convívio entre os praticantes.
Risk-Aware, Consensual Kink
Foi na quinta-feira, 25 de novembro de 1999, em uma troca de e-mails entre os membros do TES (primeira organização BDSM, fundada em 1971 em New York), que o Gary Switch lançou uma reflexão e trouxe novamente o debate ético. Esse debate estava nos bastidores de alguns grupos, mas não amplamente discutido na comunidade. Essa tomada veio com o termo RACK (Risk-Aware, Consensual Kink, Práticas Consensuais com Consciência dos Riscos).
“Se a gente quer limitar o BDSM ao que é seguro, não poderemos fazer nada mais extremo do que flagelar alguém com um macarrão molhado. Escaladores não dizem que seu esporte é seguro, pelo simples motivo de que não é; o risco é uma parte essencial da emoção. Eles manejam isso identificando e minimizando o risco por meio de estudo, treinamento, técnica e prática. Acredito que essa abordagem irá funcionar melhor para nós e para pessoas leather do que alegar que o que fazemos é seguro. Queremos encorajar a noção de que nós desenvolvemos expertise, que para fazermos o que fazemos de maneira apropriada são necessárias habilidades desenvolvidas por um processo similar de instrução, treinamento e prática.
A negociação (do BDSM) não pode ser válida sem um conhecimento prévio dos riscos envolvidos nas atividades sendo negociadas. “Consciência-dos-riscos” significa que ambas as partes de uma negociação estudaram as atividades propostas, estão informadas sobre os riscos envolvidos, e concordam em como pretendem lidar com eles. Por isso, ‘consciente-dos-riscos’ ao invés de ‘seguro’ “, declarou no corpo do e-mail.
Como você viu, Gary disse que o mundo dos fetiches flertava com o perigo, mas cabe aos praticantes terem o entendimento dos riscos e compreenderem que o outro também é humano, então se preocupar com a consciência das práticas seria o caminho mais sensato a ser percorrido. Na entrevista de 2003, ao The Bottom Line, Gary disse o seguinte:
“Meu pensamento atual é: vamos dispensar os acrônimos todos, uma opinião partilhada por David Stein, que criou o termo SSC em 1983, e com quem eu me correspondi a respeito de SSC e RACK. Eu concordo com ele que esses termos acabam sendo substitutos para a reflexão. Então, fiquemos como “adultos que estão consentindo.”
Conclusão:
O discurso ético e político do GMSMA foi descaracterizado e virou uma grande vertical moral que chancelaria os praticantes do que veio a ser BDSM, e agora, apresentando os fatos e suas devidas proporções, conseguimos entender as lamentações do David Stein (2000 e 2001) e as críticas do Gary Switch sobre a compreensão popular do SSC (1999 e 2003).
É importante entendermos que o BDSM se baseia em acordos e serão sempre dois adultos consentindo com o que estará sendo vivido, portanto, enquanto o Stein propôs uma reflexão devido à epidemia da AIDS nos anos 80, Switch propôs uma retomada ao debate ético que englobaria TAMBÉM o discurso do Stein. Stein gostaria que todos vivessem um SM saudável e responsável, enquanto Switch disse que o único caminho para fazer isso era estudando e praticando, tomando consciência do que se estaria fazendo e, essa consciência trará responsabilidades maiores para os dois durante o jogo.
Tanto Stein quanto Switch não consideram suas propostas excludentes e seriam elas complementares. O problema é que, aqui no Brasil, criou-se o mito de que ou você vive o SSC, ou o RACK e há a discussão que há práticas que se enquadram no SSC e outras no RACK. Isso me mostra que os oradores desse discurso não entenderam nada do proposto entre os dois.
A ética e a responsabilidade deveria ser o pilar de todo o cidadão em nossa sociedade, mas como não dá para exigirmos isso de todo mundo, partimos apenas para uma necessidade educacional de nossa parte entre os membros da nossa própria comunidade.
Toda a vez que defendermos a necessidade de seguirmos uma sigla ou a outra, estamos nos distanciando das suas ideias originais e dos discursos dos próprios fundadores. Como Switch disse “vamos dispensar os acrônimos todos! (…) acabam sendo substitutos para a reflexão. Então fiquemos como ‘adultos que estão consentindo'”.
Acredito que essa frase basta por si só.
Semana que vem falarei sobre o PRICK e todos os equívocos envolvendo o termo. Me aguarda?
Agora eu quero saber! O que você achou?
Você conhecia a origem do RACK? Deixe um comentário, me conte como foi sua experiência e o que te falaram sobre ele!
AUTOR
Mestre Sadic
Estudo o universo fetichista desde 2010 e iniciei as práticas em 2013. Hoje dou palestras sobre o fetiche, tiro dúvidas e mentoro novatos. Tenho como objetivo propagar conhecimento e não me aproveitar dele.
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Uma resposta
Muito interessante! Eu sabia bem o conceito e origem do SSC, mas do RACK não. E é perfeito, a comparação com a escalada foi muito bem pensada. Entendo o BDSM como uma prática que dê prazer para duas pessoas dentro de um certo limite. E este limite pode incluir alguns riscos se for consenso entre os participantes. Adorei o texto!