Olá danadinhos!
Vocês estão bem?
Passaram bem a semana?
Então vamos lá …. vamos conversar um pouquinho sobre um dos jogos que mais me encanta, o Fear Play! Ou Jogos do Medo, como carinhosamente chamarei nesse texto mas, antes de falarmos dos Jogos do Medo especificamente, lhes convido a virem comigo para entendermos um pouquinho do que é Medo, antes de qualquer coisa …
Portanto, acomodem-se a aproveitem a leitura!
A etimologia da palavra “medo” vem do latim “metus” que se trata de uma angustiosa perturbação perante um risco ou uma ameaça real, ou imaginária, que o ser humano percebe em si quando sente que seu estado de acomodação natural (zona de conforto) está sob grave e eminente ameaça.
O medo traz consigo uma alteração na percepção que, a partir daquele momento somente se expressa através de um forte sentimento desagradável de perigo. Sendo que, esse perigo pode ser ou não real.
Aos olhos da biologia, o medo é um esquema adaptativo que constitui um mecanismo de sobrevivência, defesa e readaptação que permite ao organismo responder em face às situaões adversas de forma eficaz preservando assim, sua existência.
Quando tentamos entender o medo única e exclusivamente através da neurologia, uma vez que ele se dá no sistema nervoso central, percebemos que a ciência neurológica cataloga o medo como somente uma ativação do lóbulo temporal que desencadeia assim um conjunto de transmissões de incerteza.
Já do ponto de vista da psicologia, o medo é um estado afetivo emocional essencial para que o homem se adapte ao meio, quase que como um estado de alerta de sobrevivência.
Existiu porém, um historiador francês chamado Jean Delumeau que dedidou sua pesquisa à ascensão e repercussão do cristianismo na sociedade moderna e, em 1978 ele publicou um livro chamado a História do Medo no Ocidente (La Peur en Occident) que é uma excelente fonte de pesquisa a respeito do que aqui, me darei a liberdade de chamar de, transição do medo.
Impossível estudar o medo e todas as suas nuances nos dias de hoje, se não entendermos que, em determinado momento da história do mundo, o medo deixa de ser um personagem externo e passa a ser um personagem interno, como vimos até agora.
Se fizermos uma pequena viagem no tempo, mais precisamente até a Idade Média e a sociedade na Grécia, percebemos que os gregos tinham por hábito endeusar e cultuar suas paixões em forma de “deuses”.
Encontramos de Zeus à Afrodite, de Posseidon à Ares e, cada um com seu significado e representatividade dentro da história da sociedade grega naquele momento. O que poucos porém sabem, é que é nessa mesma sociedade encontramos Deimos e Phóbos, os deuses do temor e do medo respectivamente.
Deimos e Phóbos eram 2 dos três filhos de Ares e Afrodite, enquanto Deimos que era a personificação do pânico acompanhava seu pai e seu irmão (Phóbos) e fazia com que as tropas abandonassem suas formações e fugissem desesperadamente de seus postos de guerra, Phóbos era então responsável por colocar o medo no coração dos homens fazendo com que eles se afugentassem.
E como não somente de história vive o homem, mas também de muita ironia, o terceiro filho de Ares e Afrodite foi uma deusa, conhecida como Harmonia, que vinha a ser, na contramão de seus irmãos, a personificação da paz.
Para se desvencilhar do poder bélico que esses dois irmãos possuíam, os homens então, em tempos de pré batalha, faziam oferendas aos mesmos, afim de que esses dois voltassem suas forças ao inimigo e assim poderiam “garantir” o sucesso nas pelejas.
Ou seja, medo e temor nessa época não era um sentimento interno e inerente ao ser humano mas sim, forças externas que exerciam importante papel na vida do ser humano, tanto individual como coletivamente.
Deixada a poesia da mitologia grega de lado, e voltando ao foco desse artigo, podemos perceber então que, o medo se configura então como uma das paixões externas da sociedade grega.
Com o passar do tempo, as mudanças na sociedade faz com que o medo deixe de existir como agente externo e se apresente agora, de forma internalizada das paixões.
A própria Inquisição fez um excelente trabalho pregando que, qualquer homem que não tomasse cuidado, poderia vir a ser um agente de Satanás.
É nesse exato momento que as novas formas sócias internalizam o medo e fazem com que o homem passe a temer a si mesmo.
Para Delumeau, “a difusão do cristianismo na vida cotidiana da civilização ocidental nada mais é do que o discurso do medo em si”.
As crenças religiosas foram responsáveis pela criação de personagens como o diabo, o mal, o demoníaco e situações como o medo do inferno, do julgamento final, o não encontro com Deus que passaram a aprisionar o ser humano cada vez mais dentro de si mesmo desenvolvendo assim, medos inerentes à sua existência, e com isso o ser humano deixou de cultuar suas paixões.
Esse processo de internalização porém, se deu de forma lenta e gradativa chegando-se ao que temos atualmente onde o medo tomou formas tão densas e presentes na vida dos seres humanos que síndromes como Pânico, são cada vez mais comuns em todas as classes e idades porém, esse não é o objeto desse ensaio.
Superada essa fase do entendimento do processo de internalização do medo, chegamos então ao medo nos tempos modernos.
Nesse tempo que hoje vivemos, o medo é assunto de estudo em quase todos os centros psicológicos e filosóficos única e exclusivamente, pelas proporções que ele tomou e como ele conseguiu de certa forma domar a existência do ser humano.
Para esse artigo, desconsiderarei os males que o medo traz quando vem de fora, e me atentarei um pouco em uma pequena parte da população que busca o medo como forma de luxúria, de satisfação e validação de sua existência e, é nesse exato momento que entramos no assunto do artigo: a Fear Play!
Por definição, Fear Play (Jogos de Medo) é o nome que se dá aos jogos de dinâmicas SM que envolvem diretamente o uso do medo como resposta se sobrevivência. Por ser um jogo que passeia em território bastante perigoso, consideramos os Jogos de Medo, dentro do BDSM, uma Edge, ou seja, um dos Jogos Limites.
Existem muitas formas de brincarmos com o medo, a mais evidente de certo, é testando a resistência emocional. E o mais engraçado é que testar resistência emocional, é uma via de mão dupla.
Se pelo lado do bottom, o confronto com fraquezas pode acabar expondo traumas desconhecido, do lado do Top nem sempre será confortável perceber e dar de cara com a obscuridade que pode existir em nossas mentes. E mais, no momento que existe essa percepção e uma conexão com esse lado obscuro, meus amigos, é bye bye, não existe caminho de volta. É como se encaixassem todas as pecinhas do nosso quebra cabeças.
Quando jogamos com o Medo, queremos explorar não somente os medos que o bottom já expressou mas também, e principalmente, testar medos menos conhecidos ou então criar situações que podem se tornar traumáticas. Ou seja, o risco é enorme! Não tem nem como negar, nem como fugir. O jeito é estudar muito para saber jogar, sempre minimizando ao máximo os riscos.
Jogos de Medo colocam muitas vezes a própria confiança do bottom no Top em cheque. Não podemos negar portanto, dada essa carga emocional, que os jogos mentais de Medo precisam ser construídos dentro de uma relação BDSM. Se eles forem apressados ou feitos de forma descuidada, não somente o emocional do bottom quebra, como também a própria relação de confiança que existe entre Top e bottom.
Dado todo esse cenário de potencialmente caos, vocês podem então me perguntar “ah Sra Storm então por que as pessoas se engajam nesses jogos?”
A resposta mais simples possível seria “por que são masoquistas” mas, os motivos pelos quais as pessoas se engajam nesses jogos são, de verdade, os mais variados possíveis e, mesmo não havendo uma regra, ou resposta certa, existem alguns fatores que eu facilmente posso elencar para vocês:
📌picos de adrenalina: esse é, sem sombra de dúvida, o elemento mais comum por trás dos jogos de medo. Sabe aquele amor por esportes radicais? Pois é, adrenalina pura na corrente sanguínea. E é exatamente essa descarga de adrenalina que os adeptos dos Jogos de Medo sentem ao estarem “brincando”
Atividades que envolvem níveis mais elevados de risco percebido (seja o risco real ou ilusório) ativam nosso mecanismo de resposta do nosso sistema nervoso central. Nesse momento, nosso cérebro é inundado de substâncias neuroquímicas que nos resguardam a sobrevivência. Entre eles, a adrenalina!
📌realização, superação e paz: esses três estados de espírito são comumente comentados quando perguntamos aos bottoms os motivos deles gostarem tanto dessas práticas. O alívio do pós prática muitas vezes acompanha estados de altíssima energia, acessos de riso, sensação de leveza e principalmente, uma paz quase que intraduzível em se confiar capaz de lidar com suas vulnerabilidades. Quando se compreende que se “sobreviveu” ao medo, é como se o bottom se entendesse vitorioso e digno de mérito. Quase como os vencedores das batalhas da Grécia antiga!
📌 cumplicidade: situações de medo conectam pessoas! Pode parecer estranho né? Mas não é não!
Vou tentar conduzí-los num exemplo fora do BDSM: nos coloquemos crianças num parque de diversões com nossos amiguinhos, todos prestes a embarcar no carrinho da montanha russa. São cinco amigos, seis com você, que entrarão naquele carrinho juntos e experimentarão pelos próximos 3, ou 4 minutos no máximo, a sensação de medo, de necessidade do estado de sobrevivência. Quando a volta da montanha russa acabar, e você e seus 5 outros amigos saírem do carrinho, vocês não brigarão uns com os outros por terem tido medo, muito pelo contrário, vocês se abraçarão, darão risadas e lembrarão desse dia por muitos e muitos anos! Vocês acabaram de, nesse momento, criar um vínculo de cumplicidade!
Vamos voltar ao BDSM?
A mesma coisa acontece nos Jogos de Medo … colocamos os bottoms em situações de risco de medo, de necessidade e de sobrevivência. Passado o jogo, ele “venceu” o medo! E então, Top e bottom criaram conexão, criaram cumplicidade. E lá na frente ficarão somente as memórias intensas e duradouras que fortalecerão cada vez mais, os laços dessa Ds!
Além desses três motivos, já se comprovou através de estudos publicados lá pelos idos de 1974, que a sensação de medo, pode vir a alterar a forma como o indivíduo percebe a atração sexual pelo outro. Seja tanto para quem impõe o medo como para quem é imposto, ou seja, sem querer entrar no mérito julgador da questão, entendo como super normal eu ficar excitada ao perceber que meu bottom teme algo que eu possa fazer ou situações que eu possa colocá-lo em.
Dito tudo isso, vem então a próxima pergunta: “OK Sra Storm, então como jogar?”
E aqui, danadinhos, a resposta não poderia ser mais individual pois, (in)felizmente depende de bottom pra bottom!
Um ponto crucial de sucesso de um Jogo de Medo é uma boa negociação. Saber o que o bottom teme em níveis menores e incluir na sessão, já pode ser o trigger que o medo precisa para começar a atuar na cabecinha. Por exemplo: sei que meu bottom tem medo de agulhas, o simples fato de eu começar a organizar as agulhas já é motivo para ele se amedrontar. Se ele imaginar ainda que aquilo está ali para ser usado nele então … daí a brincadeira está feita!
Outro exemplo? Tentem colocar um bottom que tem medo do escuro num quarto fechado sem grande incidência de luminosidade. Não precisa fazer mais nada, só sentem e observem … depois me contem!
O importante, é sempre ter em mente que, um Top Sádico com bom repertório, torna qualquer medinho aparentemente inofensivo do bottom numa ferramenta e tanto de prazer! Mas para isso, reforço o que disse acima, a negociação deve ser extremamente cuidadosa, tanto no que diz respeito ao desenho do jogo, os medos que serão utilizados e principalmente os limites do bottom.
Nunca é demais eu dizer um milhão de vezes que os Jogos de Medo envolvem diretamente testar e/ou esbarrar muito próximo aos limites do bottom e, forçar limites SEMPRE, pode causar danos maiores ao bottom. E, se alguma coisa acontecer, saiba que você, meu amigo Top, é 100% responsável em trabalhar junto com o bottom para tratar e curar qualquer dano causado. Não se isenta da responsabilidade em um jogo como esses, a não ser que se queira fazer fama de Red Flag.
Outra coisa importante de lembrar: tudo que o bottom viva, está dentro da cabecinha DELES, quaisquer sentimentos e traumas vivenciados por eles são completamente deles e não podem ser julgados, minimizados ou descartados.
O Top DEVE ter absoluta confiança de que o bottom está sendo honesto E aceitar qualquer feedback depois de uma sessão. Se você, Top querido, tentar se desculpar, se defender ou transferir qualquer responsabilidade de si mesmo, então, me desculpe, mas Jogos de Medo não são para você!
Nunca, nunca, nunca se esqueça que Jogos do Medo são Edges! E, como diz nosso amigo Jay Wiseman, a questão numa Edge não é saber ‘se’ algo vai dar errado, mas sim saber, ‘quando’ vai dar errado, e consequentemente o que precisa ser feito nesse momento!
Todo cuidado e cautela devem ser respeitados desde o momento zero que começasse a aventar a hipótese de jogar no campinho do medo. Você, meu querido Top, não se deixe levar pelo ego, não se precipite, não faça “gambiarras” e, principalmente, espere o bottom estar preparado para a prática.
Se vocês não se apressarem, jogarem bem e manterem a comunicação aberta, eu GARANTO para vocês que vocês poderão encontrar muita alegria, tesão e gozo nos Jogos do Medo, como poucas outras formas de jogo podem oferecer.
Bom danadinhos, por hoje é só! Muito obrigada se você chegou até aqui! Espero que vocês tenham gostado de ler, tanto quanto eu gostei de escrever!
Cuidem-se!
Hidratem-se!
Abraços,
Sra Storm
AUTORA: SRA STORM
Chef de cozinha e empreendedora da área de alimentos e no BDSM Top dedicada às práticas de Wax Play, Flogging, Branding, Castidade e Inversão e algumas outras pequenas perversões!Instagram: @darkroomcla com conteúdo instrutivo da subcultura Kink e BDSM.
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Respostas de 3
Ter responsabilidade e equilíbrio para jogar Fear Play com certeza já é um bom começo…
Como é bom ler seus artigos Sra.Storm.
Obrigado Maria pelo seu feedback, isso nos anima e revigora. Muito obrigado pelo seu comentário
Espetacular o texto de hoje da Sra. Storm sobre fear play!!! Cada artigo que leio eu seu site me faz perceber que eu não sou tão doido como pensava (e que foi o que me fez reprimir por tanto tempo meus desejos de BDSM), e nem estou sozinho. Parabéns Dom Barbudo! Cada dia melhor!!! Não vejo a hora de conseguir praticar aquilo que venho estudando tanto…