AFTERCARE DO TOP
Existe?
Como é feito?
Do que se alimenta?
Como se reproduz?
Hoje, no Site do Dom Barbudo ….
•••
Olá Danadinhos, vocês estão todos bem?
Terça feira eu trouxe o assunto “Dom Space” e deixei avisado que hoje seria, o tão obscuro, Aftercare do Top.
Eu nem preciso dizer que esse assunto vem martelando a minha cabeça já faz um tempinho, não é mesmo? Conversei com alguns Tops amigos mais próximos, e também bastante com Sr. Violinista, meu Mentor, e chegamos ao entendimento de que, realmente, em tese, pouquíssimo espaço é dado ao entendimento do que consiste no Aftercare do Top, então, tomem seus assentos, acomodem-se e venham comigo.
Eu sou muito partidária da corrente que diz que estar na posição de Top não é somente pegar um flogger e meter no lombo do bottom. Um Top conduz o bottom para um outro lugar, no que diz respeito ao estado psicológico. Um Top, é uma espécie de “guia turístico” do próprio prazer e, também do prazer alheio, pois mesmo ali, se alimentando, a grande maioria das ambientações, postura, falas, tudo ele tem que tomar para si a responsabilidade, para que o bottom também embarque com segurança nessa viagem. E está absolutamente tudo certo! Isso é ser efetivamente Top. Mas esse, é um trabalho individual, impessoal e intransferível, vamos assim dizer. E aqui, quero que vocês entendam que essas características eu falo sobre o aspecto da ambientação dos jogos, não a estranheza entre os jogadores!
Pois bem, tendo o entendimento da nossa responsabilidade nessa toada toda, por mais que a gente mantenha 300% de atenção, por mais que todos os nossos sentidos e percepções se agucem, por mais que a gente esteja absurdamente envolvido na cena, os impactos “psicológicos” de uma sessão em um Top, são completamente diferentes dos impactos que uma sessão pode causar em um bottom. Logo, todo aquele discurso do Aftercare, de ser o momento de “trazer de volta”, não cabe ao Top, uma vez que pressupõem-se que ele nunca deixou de estar ali.
O grande impacto na cabeça de um Top é, literalmente, se deparar e enfrentar tudo que ele é capaz de fazer para alimentar prazeres, seus e os do bottom. Enfrentar a realidade, de que as vezes, deixamos de ser “boas pessoas”. Entender como esse processo de enfrentamento deve ser feito, para que a gente não acabe acreditando de verdade, que nos transformamos em nossos próprios personagens!
Quando não há o entendimento e a ressignificação do jogo, a gente corre o risco de absorver e internalizar que somos pessoas más, cruéis, e a partir daí começamos a nos sentir sujos por fazermos o que fazemos, começamos a nos culpar por ter nossos desejos, por estarmos “submetendo um outro ser humano” a tudo aquilo, somente em busca de prazer. Nesse momento, começamos então, a questionar a nossa própria honestidade.
Tudo isso é um imbróglio sem tamanho … e sabem por quê? Porque a gente começa a ter vergonha de nós mesmos, vergonha de nosso prazer, e principalmente muita vergonha do que fazemos para obtê-lo.
Na pior das hipóteses, quando o Top entra nesse estado de culpabilização, ele realmente pode vir a se entender como uma pessoa má, e por se entender mau, maldades passam a ser normais em seu dia a dia, e ele se transmuta de, somente um Top com uma série de questionamentos não respondidos, para uma pessoa inconsequente.
E, para que tudo isso não aconteça, existe então o “Aftercare de Top”.
Eu costumo dizer, que eu somente consegui entender meu prazer no masoquismo, quando eu, de forma inteligente, entendi o prazer do sádico.
Pois então, todo aquele processamento de sentimentos que eu mencionei ali em cima, acontece no Aftercare do Top. Porém para que o entendimento seja satisfatório, primeiro o Top precisa ter em mente que ele precisa de informações forncecidas pelo bottom, e depois, em sabendo que precisa dessas informações, ele precisa saber exatamente o que perguntar.
O Top pergunta se o bottom está bem, confere se o bottom está bem, confirma se ele está ok com tudo que aconteceu e, com esse entendimento, o Top vai inconscientemente amenizando sua culpa.
Óbvio que essa culpa não dura pra sempre, e à medida que o Top vai acumulando milhas de viagens, com processos de Aftercare efetivos, ele também vai começando a reconhecer comportamentos, a ponto de entender se ali há prazer, ou se ali há subserviência.
E como se faz isso?
Como se extrai do momento do Aftercare, todo esse entendimento?
Racionalizando o Aftercare!
Esquecendo essa estória romanceada que Aftercare é dormir de conchinha, esquecendo o conceito abaunilhado de “cuidado”!
BDSM é jogo racional, de adultos racionais.
Se o Top tem a obrigação de manter o SSC trazendo o bottom “de volta”, a ele também é resguardado o direito de questionar ao bottom quando sentir que algo pesou além da conta, que algo não saiu como o esperado. E quando digo questionar, é questionar mesmo, é perguntar, é pedir um feedback claro, pontual, tipo “sabe aquele momento tal? Como foi para você? O que passou na sua cabeça? Quais foram as suas percepções?” E realmente escutar o que o bottom tem a dizer, não somente ouvir!
Top, tem que manter o SSC da relação, começando pelo seu próprio estado de sanidade e segurança!
Óbvio que vivemos numa sociedade que sofre todas as mazelas da masculinidade tóxica e resvala aqui na subcultura, a imagem do “Top Intocável”, e essa imagem, que muitas mulheres também retro alimentam, faz com que muitos homens (principalmente) não se permitam a serem vistos com traços de humanidade. Tops que sofrem de masculinidade tóxica, nem sequer aceitam, que eles mesmos podem ter dúvidas, que eles mesmos podem ter questionamentos, que eles mesmos podem ter suas fraquezas.
Muitos Tops, acreditam que, ao perguntar ao bottom como eles realmente se sentiram com relação a algo, estarão “perdendo a hierarquia”, se “deixando dominar”, ou até mesmo “descendo ao nível do bottom”.
Mas quer saber? que saiam da verticalidade nesse momento, mas nunca percam o respeito!
Que conversem como dois seres humanos normais, que precisam sim, entender um ao outro, para que a interação seja cada vez mais produtiva e prazerosa.
Que entendam que viver uma vida, pautada em conceitos como o do SSC, só faz bem!
É mais do que chegado o momento, de nós como subcultura, entendermos as consequências negativas que a masculinidade tóxica da sociedade vem acarretando coisas ruins ao BDSM.
Quando nós Tops entendermos que precisamos parar de levar o Aftercare para esse lugar “romântico”, como se todo bottom fosse absurdamente frágil e desprovido de capacidade cognitiva e que, ouvir exatamente como o bottom se sentiu, vai, além de nos aproximar na relação Ds, também evitar que nós nos percam em nós mesmos, talvez, e somente talvez, nesse momento, o Aftercare seja visto como uma ferramenta de manutenção do SSC onde nós Tops, precisamos sim, começar a ouvir de forma mais aberta e não romântica.
Aos bottoms de plantão um conselho: deem feedbacks! Saiam da busca do conforto pós sexo, aftercare não é isso. Sejam claros com suas emoções e sentimentos. Tops não tem bola de cristal. O feedback de vocês pode, não somente melhorar a interação de vocês, mas também, usando uma palavra que todo bottom gosta, vocês estarão “cuidando” do Top de vocês, de verdade!
Quero deixar claro, que eu não estou aqui, advogando contra esse tipo de contato mais carinhoso, não estou advogando contra quem usa sexo como forma de Aftercare, muito menos estou falando algo contra quem, por livre e espontânea vontade, se engaja nesse tipo de coisa como “dormir de conchinha”, no final do dia, cada um sabe o que precisa para se reestabelecer.
O que eu realmente acredito, é que, em sabendo que existe a necessidade de uma certa racionalidade no processo, ele não se perca em poesias e contos de fadas!
Pois é Danadinhos, se vocês acharam que eu falaria sobre carinhos e cafunés no Top, eu lamento informar, mas estou consciente que eu os decepcionei. Mas espero também, que esse meu texto tenha ajudado, um tico que seja, o entendimento de que Aftercare também é um expediente para manutenção do SSC, e que, precisa sim ter seu momento de racionalidade, para as duas pontas do chicote!
Espero que vocês tenha gostado de ler, tanto quanto eu gostei de escrever!
Um abraço, até a semana que vem e já sabem né?
Hidratem-se!
Sra Storm
AUTORA: SRA STORM
Chef de cozinha e empreendedora da área de alimentos e no BDSM Top dedicada às práticas de Wax Play, Flogging, Branding, Castidade e Inversão e algumas outras pequenas perversões!Instagram: @darkroomcla com conteúdo instrutivo da subcultura Kink e BDSM.
SUBMISSÃO SIM, SUSERVIÊNCIA NUNCA!
SER DISSIDENTE É SER RESISTENTE
COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA NO BDSM
FETICHE DO VOYEURISMO E FETICHE DO EXIBICIONISMO
CONVERSAÇÃO, NEGOCIAÇÃO E CONTRATO
ABUSOS! PRECISAMOS FALAR SOBRE
SÍMBOLOS – LEATHER E BDSMFETICHES, PARAFILIAS & TRANSTORNOS DE PARAFILIAS
SAFEWORD – A CONTÍNUA NUVEM CINZA!
BISSEXUALIDADE E PANSEXUALIDADE X BDSM
POSIÇÕES: TOP, BOTTOM E SWITCHER
OUTUBRO ROSA – ESSE PROBLEMA TAMBÉM TE PERTENCE?
FETICHE X CAPITALISMO – ENTENDENDO O DESEJO DE TER!
CASTIDADE
SUB SPACE
CONTRATO BDSM – MODELO EM ANEXO
AS BASES DO BDSM E AS DIFERENÇAS ENTRE ELAS
Uma resposta
Muito interessante entender a visão do lado do Dom… lógico, racional, sem “mimimi”. Depois de terminada uma sessão, entender se foi tudo ok é um sinal de maturidade em busca de aperfeiçoamento. Adorei o texto, muito obrigado!