ESTUDO DESTRÓI O MITO DE QUE O BDSM ESTÁ LIGADO A TRAUMAS

Nas últimas semanas conversamos sobre os fatores externos que influenciam a vida cotidiana dentro da comunidade BDSM. Abordamos sobre a necessidade de validação, as questões envolvendo a palavra poder e reforçamos que no passado já conversamos sobre a sexualidade presente no BDSM, além de criar um paralelo do por que gostamos de BDSM. Apesar de concordar que há muito da nossa vida cotidiana dentro das práticas fetichistas e, provavelmente, nós estamos acostumados a reproduzir padrões inconscientes em nosso comportamento, vemos por aí discursos em que diz que tudo tem um porquê. Se gostamos de um determinado assunto, provavelmente há algum fato relevante em nossa infância que deve ter gerado um trauma e daí que vem nosso comportamento sexual. Pois bem, o texto a seguir trata-se de uma tradução que apresenta justamente uma resposta para essa questão e você pode lê-lo originalmente aqui

Estudo destrói o mito de que o BDSM está ligado a traumas do início da vida.

Resumo:

Não, estar interessado em BDSM não significa que você teve uma infância traumática! 

O BDSM é um tipo de expressão e/ou prática sexual que se refere a três subcategorias principais: Bondage/Disciplina, Dominação/submissão e Sadismo/Masoquismo. Tem sido amplamente especulado que muitos praticantes de BDSM ou pessoas que apreciam o estilo de vida BDSM são mais atraídos pelo “estilo de vida liberal” por causa de traumas sexuais que sofreram no passado.

Um estudo de 2020 destruiu esse mito ao pesquisar 771 praticantes de BDSM e 518 não praticantes da população em geral. Todos esses participantes preencheram uma pesquisa avaliando os interesses no BDSM, bem como o Questionário Rápido sobre Trauma (Brief Trauma Questionnaire – BTQ), que é usado para avaliar eventos traumáticos, e o Questionário de Relacionamentos (Relationships Questionnaire – RQ), que é usado para avaliar o estilo de apego de uma pessoa.

Este estudo afirma que os praticantes de BDSM merecem a percepção como uma prática sexual normal livre de estigmatização em vez de “um comportamento desviante”.

Método do estudo:

O que é o Questionário Rápido sobre Trauma (BTQ)?

O Questionário Rápido sobre Trauma (Brief Trauma Questionnaire – BTQ), como é chamado pelo Centro Nacional de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, é um questionário de autoavaliação derivado da Entrevista Rápida sobre Trauma (Brief Trauma Interview). Este questionário é usado para avaliar se um indivíduo teve um evento que atende aos critérios para eventos traumáticos.

O que é o Questionário de Relacionamentos?

O Questionário de Relacionamentos (Relationships Questionnaire – RQ), como é chamado pelo Fetzer Institute, é uma pesquisa de quatro itens projetada para medir os estilos de apego dos adultos. Existem quatro estilos principais de apego: seguro, desdenhoso-evitativo, ansioso-preocupado e temeroso-evitativo. Este artigo fez um trabalho maravilhoso, resumindo os vários estilos de apego, comparando-os aos relacionamentos da série How I Met Your Mother.

Não, estar interessado no BDSM não significa que você teve uma infância traumática

https://www.youtube.com/watch?v=ZfSyq8gRsyM

Embora muitos possam presumir que estar interessado no universo BDSM pode significar que você vivenciou relacionamentos/situações abusivas ou violentas em sua infância ou pré-adolescência, este estudo explica por que isso não passa de um mito, portanto deve ser descartado.

Praticantes do BDSM em todo o estudo pontuaram níveis mais altos de abuso físico na idade adulta. No entanto, não surgiram diferenças significativas para outras experiências traumáticas (incluindo abuso físico na infância ou trauma sexual indesejado).

Existem muitos relatos (como este) de praticantes de BDSM que afirmam que há um certo “processo de cura” que envolve encontrar um relacionamento BDSM confiável após escapar de um relacionamento tóxico. Isso pode explicar o porquê as pessoas que vivenciaram relacionamentos de abuso físico quando adultos recorrem à comunidade BDSM e a interesses sexuais relacionados ao BDSM.

Quando se tratava do Questionário de Relacionamentos, pessoas que se envolveram no estilo de vida BDSM pontuaram mais frequentemente no estilo de apego “seguro” do que pessoas que não eram praticantes de BDSM. Embora muitos praticantes de BDSM tivessem estilos de apego seguros, também houve um aumento significativo nos estilos de apego ansioso-preocupados quando se tratava de pessoas que praticam BDSM. Em particular, o estilo de apego “seguro” foi associado a praticantes de BDSM que se identificaram como “Dominantes” (TOP) e o estilo de apego “ansioso-preocupado” foi associado a pessoas que se identificaram como “submissas” (BOTTOM).

Não foi encontrado nada para apoiar a hipótese de que o BDSM seja um mecanismo de enfrentamento para a dinâmica ou trauma na infância.

Os autores do estudo afirmam que os praticantes de BDSM merecem a percepção como uma prática sexual normal livre de estigmatização, em vez de comportamento desviante – e os resultados finais do estudo apoiam essa ideia.

As pessoas envolvidas nas práticas de BDSM estão mais conscientes de seus estilos de se relacionar?

Enquanto muitas pessoas insistem que se envolver em práticas de BDSM significa que você teve uma experiência traumática significativa que o levou a fazê-lo, existem alguns especialistas que argumentam que os praticantes de BDSM estão realmente mais em sintonia com sua própria psicopatologia do que pessoas que não se envolvem em atividades de BDSM.

O BDSM envolve uma gama diversificada de práticas que podem envolver jogos de RPG em que uma pessoa assume um papel dominante e a outra assume um papel submisso. Essas atividades costumam ser intensas e podem envolver atividades como contenção física, jogos de poder, humilhação e às vezes (mas nem sempre) dor.

De acordo com um estudo publicado no Journal of Sexual Medicine, as pessoas envolvidas no BDSM podem, na verdade, ser mais saudáveis mentalmente. O estudo sugere que as pessoas que se envolvem em atividades BDSM geralmente mostram qualidades mais extrovertidas e tendem a ser mais abertas às experiências e mais conscientes. Eles também tendem a ser menos neuróticos e menos sensíveis à rejeição. O estudo também mostrou que os praticantes de BDSM tinham um estilo de apego mais seguro, o que é apoiado no estudo mais recente listado acima.

Além disso, existe a hipótese de que as pessoas envolvidas no BDSM sejam mais atentas durante o sexo do que aquelas que não se envolvem em práticas de BDSM.

Conclusão:

Apesar do estudo estar lidando com o estilo de vida BDSMer estadunidense, fica claro que pela comunidade reforçar o movimento de contracultura sexual presente no BDSM, os praticantes compreendem o movimento e contribuem para a aceitação social, dessa forma, a liberdade de se expressar e viver em sintonia com suas respostas sexuais trarão mais benefícios para sua saúde física e mental, como também mostra este estudo de 2013 sobre a saúde mental dos praticantes BDSM em comparação dos não-praticantes, como bem mostrou a Equina Nur em seu Medium com o texto “o (talvez) poder curativo das práticas BDSM”

Dessa forma, percebemos que a própria comunidade caminha em via de aceitação e despatologização social de suas práticas, pois graças a nossa militância, conseguimos retirar as práticas BDSM do CID-11 (como você pode ver aqui), mas infelizmente ainda nadamos em contramão com as benditas termologias que ainda nos enquadram em traumas ou desvios comportamentais, como bem apontou a Margot em seu artigo “Por que fetichistas e BDSMers devem abolir o uso da palavra ‘parafilia’?”.

Acredito que, pelo estudo ter sido publicado ainda em 2020, estamos caminhando para a compreensão de que não somos errados, doentes ou vítimas de nossos prazeres e desejos, mas só o tempo e nossa persistência em parar de reforçar isso, poderá fazer alguma diferença significativa para a comunidade. 

AUTOR

Mestre Sadic​​​​

​Estudo o universo fetichista desde 2010 e iniciei as práticas em 2013. Hoje dou palestras sobre o fetiche, tiro dúvidas e mentoro novatos. Tenho como objetivo propagar conhecimento e não me aproveitar dele.

Café Fetichista: https://m.youtube.com/playlist?list=PLlRq4n48kKVE4hEDAtL_3EDYdiiSGwt1P

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Respostas de 2

  1. Devorei o artigo! Muito interessante! Sempre acreditei que quem se permite participar do universo BDSM é, na verdade, melhor resolvido. No meu caso, por exemplo, o interesse vem desde a minha aceitação como gay, e nunca esteve relacionado a traumas nem na infância e nem na idade adulta. Penso que é uma atividade lúdica, que permite aos participantes assumir papeis diferentes e explorar sentimentos e sensações que não são possíveis no dia a dia. Muito bom! Muito obrigado!

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