SUBMISSÃO COMO UM ATO DE LIBERTAÇÃO
Essa pergunta me ocorre desde os primórdios do BDSM: por que sentimos prazer em ser humilhados? Em sermos julgados, diminuídos por um mestre? Por um ser que elencamos superior a nós e devemos toda nossa subserviência. Alguma semelhança com características religiosas? Vamos voltar nesse assunto depois.
Em toda a história temos um certo fascínio por uma situação de subserviência, tememos a uma pessoa e a ele temos que obedecer e também temer. Esse cenário é muito presente no meio BDSM. Ao mesmo tempo que adoramos aquele dominador, aquele mestre que está diante de nós, ao mesmo tempo temos medo dele, ao mesmo tempo que amamos, tememos.
No início do século passado, Freud escreveu um de seus mais importantes textos sociais “Totem e tabu”, mais antropológico que psicológico, onde descreveu os costumes religiosos de tribos distintas e, em uma dessas tribos havia a figura do “Pai da Horda” o ser supremo de uma tribo, ao qual todos adoravam e temiam ao mesmo tempo, eram fiéis aos seus julgamentos, faziam de tudo para serem agradar por medo de retaliação. Semelhança com o contexto BDSM? O nosso mestre, o dominador ou a dominatrix é nosso Pai da Horda, ao mesmo tempo que adoramos, tememos, é nosso Daddy ou Mammy que nos ensina, mas que também nos pune.
Mas enfim, de onde vem esse prazer, essa excitação fisiológica quando somos humilhados? De certa forma há um quê de transgressor, como já foi dito antes, na cultura BDSM em geral. Geralmente os participantes da cultura são aqueles que fogem de uma relação sexual “normal”, sentem prazer em situações ou coisas que normalmente não sentiria e isso inclui também o papel da humilhação. Em um contexto um pouco mais social, o homem em seu papel social reforçado pela sociedade machista que vivemos atualmente, é aquele homem viril, dominador que não abaixa sua cabeça para ninguém. Quando ele se torna submisso, esses papéis se invertem e isso pode ser para outro homem no caso do BDSM gay – aqui no site tem dezenas de relatos desse tipo – assim como no BDSM heterossexual, onde o homem fica à mercê de uma mulher, de uma dominadora – o que desafia ainda mais as normas sociais pré-estabelecidas de maneira não consciente. E isso por si só já é bastante excitante. Tudo que é proibido é mais gostoso, lembra?
Outra teoria que pode tentar explicar essa predisposição á sentir prazer na humilhação é nossa própria história de vida. Isso tem que ser levado em consideração também. A história da pessoa (e nesse caso estamos falando do submisso) pode ser permeada de limites bem rígidos que ele não pode quebrar ou ultrapassar e ele acaba chegando na cultura BDSM como um ato transgressor daqueles limites como um ato de libertação desses limites através de um ato sexualmente excitante. Há submissos que ultrapassam os limites que o dominador impõe propositalmente para serem punidos e, nessa punição, se libertarem de suas “amarras psicológicas” dos seus limites, destes padrões rígidos e vozes demandantes dentro de sua cabeça. As práticas BDSM permitem essa libertação, podemos considerar aqui o Spanking, a privação de sentidos, a humilhação por si só.
Na semana passada discutimos um pouco de como o Role-Play, essa representação de papéis, é libertadora. É uma prática bastante usada no ambiente de terapia para encenar papéis e treinar habilidades, se libertar de bloqueios que nos impedem se fazer algumas coisas. No BDSM não poderia ser diferente, se libertar dessas amarras psicológicas por meio de humilhação, de punição – pois ao mesmo tempo que o dominador pune, ele acolhe – é libertador. Não me esqueço de um relato do Mestre Barbudo que, após uma sessão de spanking com o submisso, ele começou a chorar copiosamente e este foi acolhido pelo mestre. Este é, para mim, o melhor exemplo que o BDSM, além de uma cultura, quando praticado corretamente e com consciência, respeitando o SSC, é libertador e até certo ponto, terapêutico de uma maneira que, de alguma ordem, a psicoterapia em seus moldes tradicionais não pode alcançar justamente por suas limitações éticas.
AUTOR: DR PSI
Psicólogo, especialista em terapia cognitivo-comportamental, psicopedagogia clínico e institucional e atualmente especializando em neurospicologia. Sempre fui interessado no mundo do BDSM, com a primeira experiência por volta dos 19 anos. Atualmente interessado em disseminar esta cultura em seus diferentes aspectos e as influências psicologias que estão atreladas
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