Já vim aqui algumas vezes para falar sobre o papel das nossas emoções e a sua relação com o contexto BDSM. Já falamos sobre emoções, razão, memória e outros processos cognitivos “normais” que estão envolvidos no nosso dia-a-dia e pode – e é claro que vai estar – inserido no contexto do BDSM. Até então, falamos sobre processos normais, pessoas curiosas que querem entrar nas práticas BDSM, noções psicológicas que norteiam os já praticantes em relação a uma prática saudável que proporciona um bem estar pessoal, além de um autoconhecimento gigantesco. Mas e quanto nós nos decepcionamos com alguma experiência?
Sabemos que existe uma linha muito tênue entre o normal e o patológico dentro do BDSM. É preciso que fiquemos cientes nos sinais que nos mostram que aquela relação que está passando dos limites saudáveis e funcionais. Mas não é sempre que estamos cientes disso. Na minha última postagem, falei sobre a dualidade entre razão e emoção e de como nós praticamente não pensamos quando estamos “emocionados” – movidos por uma emoção muito forte – e a vezes não conseguimos sair disso. Muitas vezes nos decepcionamos com algumas experiências, não só no BDSM, mas no geral. E o que fazer quando isso acontece?
A resposta parece simples, na teoria – como tudo né -, mas na prática pode parecer um pouco mais trabalhoso. Já adianto que meu trabalho aqui não é dar uma fórmula pronta e nem de fazer terapia superficial estilo Augusto Cury que traz uma fórmula mágica que resolve todos os problemas do mundo. O que temos que nos atentar é que, quando falamos de decepções, traumas, desilusões, estamos falando de memórias, memórias emocionais.
Mas que raios é isso? Tudo o que fazemos, tudo o que pensamentos, falamos, sentindo vai sendo gravado em nossa mente. As vezes apenas por alguns segundos e outras vezes de maneira mais duradoura. O filme divertidamente mostra bem o processo de consolidação e eliminação de memórias. Quando são memórias que não envolvem um processamento emocional, estas memórias são consolidadas e eliminadas com maior facilidade. Porém, quando esta memória carrega consigo uma grande carga emocional, ela se consolida mais rápido, fica marcada em nosso cérebro e assim, fica mais difícil de ressignificarmos.
E porque ressignificar uma memória e não deletá-la? Ora, porque não estamos em “o brilho eterno de uma mente sem lembranças”, as memórias vão ficar ali gravadas em nossa cabeça e que não se eliminam com tanta facilidade, por isso é mais fácil olharmos esta lembrança com outros olhos do que queremos eliminar. Acredito que eu já discuti aqui sobre um estudo que vai comparar que a forma como enfrentamos nossa emoção vai influenciar a forma como ela vai voltar para nós. Em outras palavras, se tentarmos suprimir aquela emoção, ela vai voltar com mais força, se remoermos aquela emoção/situação ela não vai embora nunca. Por fim, se eu aceito aquela situação, aquela emoção desagradável e não a julgo, ela vai embora com mais facilidade.
E aí levantamos dois pontos: 1) não não é fácil. Não estamos acostumados a olhar para lembranças, para memórias de uma forma compassiva e de aceitação. Está é uma característica das culturas orientais que nos últimos anos veio para o ocidente através de práticas meditativas. A psicoterapia baseada em evidências trás as práticas meditativas como um excelente treino atencional, assim como uma das técnicas mais usadas para chegar a um nível de controle emocional quando somos atingidos por uma forte emoção. A cultura ocidental é ensinada a pensar demais e se julgar demais, não podemos simplesmente aceitar o que passamos com um compromisso de mudar aquela realidade. Por isso, meditação apesar de extremamente eficaz, é extremamente difícil para fazermos.
O segundo ponto a ser levantado e que este termo “aceitação” não é sinônimo de submissão, de aceitar tudo o que vem sem indagar a realidade. É uma aceitação do sentido de mudança. Eu aceito, sem me julgar pelo o que aconteceu – porque o pior que seja, ele já passou e ficar remoendo só piora as coisas, lembra? – e se comprometer com uma mudança, primeiro interna e depois externa com comportamentos que mostrem está mudança. Não adianta em nada mudarmos a forma como pensamos, como vemos a nossa realidade sem traçarmos comportamentos que confirmam esse novo pensamento.
A dica que eu deixo, se é que eu posso deixar uma dica aqui, é para olharmos as situações de uma forma diferente. Podemos cometer alguns vícios de pensamento como a culpabilização de nós mesmos em relação ao ocorrido. Se eu não sabia sobre aquilo, porque eu vou ficar me culpando por um fato que eu não sabia. Eu não sabia falar inglês até ter a necessidade. Culpar-se pelo ocorrido e remoer aquele evento passado já duas semanas, um ano, dez anos não vai te ajudar em nada a mudar a lembrança do ocorrido. Pare por um minuto, pense já experiência, sem se julgar, sem julgar o outro, afaste as emoções e sentimentos que podem surgir naquele momento e pense, por mais difícil que seja, no que você aprendeu sobre aquela experiência e o que você pode mudar no seu comportamento para consolidar esse aprendizado e não está culpa.
Se persistirem os sintomas, procure o terapeuta mais próximo.
AUTOR: DR PSI
Psicólogo, especialista em terapia cognitivo-comportamental, psicopedagogia clínico e institucional e atualmente especializando em neurospicologia. Sempre fui interessado no mundo do BDSM, com a primeira experiência por volta dos 19 anos. Atualmente interessado em disseminar esta cultura em seus diferentes aspectos e as influências psicologias que estão atreladas
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Uma resposta
Excelente reflexão, não só pro BDSM mas pra vida. Ressignificar fatos passados não é simples nem fácil, mas necessário para manter a sanidade mental. Reinterpretar ocorridos na vida leva tempo e requer esforço porém é muito bom! Boa semana a todos!