Encerrar ciclos raramente é um processo livre de algum sofrimento. Quando falamos de relacionamentos, é comum que passemos por uma fase de luto quando eles chegam ao fim.
Mas se o relacionamento é uma D/s (relação de dominação e submissão presente no BDSM), esse luto ganha mais algumas camadas e características próprias.
Se alguém disser ou você ler por aí que BDSM não tem sentimentos (ou não deve ter), que término de D/s deve ser objetivo e protocolar como rescindir um contrato, que basta informar a decisão ao outro e cada um seguir seu rumo, desconfie!
O BDSM é composto por pessoas… pessoas com desejos, vontades, expectativas, bagagens de vida, frustrações, ou seja, por seres humanos suscetíveis a erros, a acertos, a afetos, a paixões e a apegos.
Durante os processos de negociação, encoleiramento e dia a dia de uma D/s, laços e vínculos são construídos e aprofundados. Tanto Dominadores quanto submissos se engajam numa dinâmica de trocas intensas que requerem empenho, dedicação e confiança de ambas as partes.
E aqui gostaria de destacar que o término pode ter um impacto tão grande para a parte dominante quanto para a parte submissa. Não vamos aqui colocar a parte submissa como a parte frágil e única com a possibilidade de sofrer com o fim de uma relação. Se por um lado falamos da entrega de submissos, temos também do outro alguém que recebe essa entrega e pode criar uma dependência dela da mesma forma.
Logo, tanto Dominadores podem sentir que não souberam conduzir a relação, quanto submissos podem sentir-se incapazes ou insuficientes. De uma forma ou de outra, a parte que não optou pelo fim, pode sentir-se fracassada em seu papel.
Isso posto, precisamos ter claro que além de tudo que envolve o fim de uma relação de afeto como saudade, vontade de estar perto, vontade de conversar, de dividir aquele assunto, piada ou meme que só faz sentido com aquela pessoa e muitas outras faltas e vazios que uma ausência nos deixa, uma D/s também nos coloca em uma abstinência proveniente de um condicionamento daquilo que entregamos e recebemos.
Por exemplo, Dominadores e submissos acordam sobre entrega de responsabilidades, sobre deveres e rotinas diárias. Às vezes, subs ficam incumbidos de pequenas tarefas como sempre dar bom dia antes de realizar qualquer tarefa, fotografar sua refeição, registrar suas atividades em um diário, avisar hora que sai e hora que chega em casa. Por outro lado, dominadores ficam responsáveis, por exemplo, por escolher as vestimentas, o cardápio, entre outras tarefas que seus subs devem realizar. Toda essa rotina vai sendo inserida aos poucos e se enraizando no cotidiano dos praticantes e quando o vínculo é desfeito por uma das partes, um grande vazio e a sensação de que algo está sendo esquecido se estabelece.
Por isso, é necessário que ao se interromper uma relação D/s que seja feito um “desmame”, como utilizado no jargão médico, para que tudo aquilo que a parte submissa entregou à parte dominante, vá sendo devolvido aos poucos, como se estivéssemos reduzindo a dosagem mesmo, até que o sub esteja de posse novamente de todo o poder entregue.
Na prática isso pode ser feito retirando-se as obrigações estabelecidas uma após a outra, evitando, assim, um rompimento abrupto da rotina. Então, se um submisso tem em sua dinâmica de D/s 3 tarefas, o ideal é que o dominador retire uma das obrigações e avalie o melhor momento de retirar a próxima. O mesmo vale quando é a parte submissa quem opta pelo término. Após uma conversa sobre a intenção de rompimento, o submisso vai tomando de volta aquilo que entregou de responsabilidade ao dominante.
Como tudo no BDSM parte do acordo entre os praticantes, esse desligamento da relação vai acontecer de forma diferente para cada um, de acordo com a realidade vivenciada, não havendo que se determinar um tempo ou jeito exato de se fazer isso, mas aqui, uma boa dose de bom senso e empatia por aquela pessoa com quem você dividiu tantos momentos agradáveis será bem-vinda!
Infelizmente, não tenho aqui uma pílula ou receita para evitar a dor de uma perda. Mas, além desse período de desligamento altamente recomendado, há um caminho que podemos sim percorrer para lidar de uma forma menos traumática com términos no nosso universo.
Então aqui vão alguns conselhos:
1. Tenha uma rede de apoio no meio BDSM – essa rede pode ser constituída até mesmo de uma única pessoa, mas ter alguém de confiança, alguém com quem se tenha intimidade e que entenda sobre suas emoções nesse momento para que você possa desabafar e conversar é fundamental. Seja você sub ou dom, você não precisa e não deve enfrentar momentos difíceis se isolando.
2. Desde o início de sua D/s mantenha sua individualidade – por mais que quando iniciemos uma D/s seja comum que desejemos nos dedicar a ela 100%, vai ser mais saudável pra você se você mantiver na sua rotina um tempo de qualidade só seu para fazer as coisas que você gosta, tais como ler um livro, ver um filme, ir à praia, andar de bike, sair com amigos… Não abandone seus hábitos e não corte vínculos com suas amizades, pois ao término de uma D/s serão essas as coisas que vão te ajudar a lidar com o fim da relação.
3. Converse sobre término com seu parceiro de jogo desde o início – claro que ninguém inicia uma relação pensando no seu fim, mas esse é o momento de ser racional e essa possibilidade existe. Viva sua D/s com o pensamento “que seja eterna enquanto dure”, sabendo que um milhão de motivos podem levar ao fim desse ciclo e nem sempre serão brigas ou desavenças, mas até uma evolução natural do ser humano, onde uma das partes pode ter novas expectativas, descobrir novos gostos e o outro já não caber mais nesses novos planos de vida.
4. Faça terapia – esse é o conselho mais batido, mas ainda necessário de ser repetido. Há quem ainda guarde um velho e descabido preconceito sobre terapia ser coisa de gente doida, há quem pense que fazer terapia é admitir que falhou ou que é fraco e há ainda quem pense que desabafar com um amigo é o mesmo que fazer terapia, só que de graça! Nãoooooo!!! Nada disso! O psicólogo é alguém que estudou para te ajudar a lidar com qualquer situação da sua vida, alguém que tem uma escuta profissional e vai saber dizer aquilo que você realmente precisa ouvir para que você consiga entender e evoluir em seus processos internos.
5. Não é porque acabou que não deu certo – entenda desde agora que seja uma D/s de 6 meses, de 1 ano, de 10 anos, ela deu certo e produziu muitos momentos bons em sua vida. Foque naquilo que você vivenciou de bom, lembre de todo aprendizado e evolução ao invés de se boicotar e se sentir fracassado. Em toda relação há troca e afetação: eu te afeto e você me afeta, então, sempre vamos levar um pouco do outro e deixar algo de nós.
6. Quem não tenta, não sofre, mas também não vive – O último conselho é para aqueles que são tão precavidos e que se blindam tanto da dor que não vivem. Se você deixa de viver uma D/s por medo de um possível término e um possível sofrimento, saiba que você também estará abrindo mão de experimentar coisas muito legais e prazerosas. Então, nem 8 e nem 80! Não precisa se jogar como se não houvesse amanhã, mas também não se prive de criar boas memórias.
Encerrar ciclos faz parte da vida, mas assim como um ciclo termina, outros começam e uma nova gama de possibilidades será apresentada a você.
Para concluir esse texto deixo aqui as sábias palavras de Ana Suy: “É um perigo descobrir que determinadas coisas não nos matam, por isso as pessoas que sofreram são perigosas. Elas se sabem fortes.”
O SubMundo deseja a todos os leitores boas festas e que 2022 seja um ano próspero e cheio de saúde para todos nós!
Até ano que vem!
Com carinho,
Bela.
AUTORA
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