PRAZER, BELARINA: O BALÉ DA MINHA PERSONA SEXUAL

Na semana passada, apresentei a vocês o conceito de Persona, sua importância para entender o contexto lúdico que cerca os jogos BDSM, como vestir e retirar essa máscara que usamos para performar nossos fetiches e hoje eu gostaria de compartilhar como foi o meu processo de composição da minha persona.

Logo que “entrei” para a comunidade através de um grupo de WhatsApp fui recebida com um questionamento sobre se eu era submissa ou dominadora. Houve também quem não me perguntasse nada, mas que partiu de sabe-se lá o que para me tratar como sub sem que eu tivesse dito nada a respeito.

Bom, eu gostaria de começar nosso papo hoje fazendo esse alerta: não presuma que uma mulher que chegou ao meio é submissa, simplesmente pelo fato dela ser mulher! Isso é preconceituoso, é agressivo, não é tolerável! Também não cobre uma posição de um novato que acabou de descobrir que tem algum fetiche, isso é uma péssima maneira de recepcionar quem está chegando.

Ao contrário disso, ao se deparar com um iniciante, coloque-se à disposição para tirar dúvidas, indicar conteúdos e perfis confiáveis e que vão agregar à descoberta desse neófito. Depois disso, aí se vocês continuarem o papo, se ele ou ela mostrarem algum interesse específico, você até pode perguntar se a pessoa já tem claro o seu interesse, se já sabe se gosta mais do que ela viu sobre dominação ou sobre submissão.

Ao não cobrar e nem pressupor coisas sobre o outro, você vai estar exercendo uma postura mais acolhedora e a própria pessoa vai se sentir mais à vontade para trilhar seu caminho e fazer suas descobertas.

Após esse longo adendo rs voltemos à minha história… Eu não sabia responder essa pergunta no início, porque eu simplesmente não tinha conhecimento concreto do que fazia parte de cada polo desse jogo.

Eu sabia que eu gostava de um sexo com mais pegada, sabia que eu gostava de ter minha dança conduzida, mas o meu feminismo e tudo que eu acreditava sobre mulheres empoderadas, em busca de igualdade se chocava com esses gostos. Eu pensava: ”mas nunca que eu vou deixar de exercer o meu protagonismo, de colocar minhas opiniões, minhas certezas para me calar e abaixar a cabeça para um homem.”

Ao mesmo tempo, não fazia o menor sentido para mim pensar em humilhar um homem, desferir tapas e chicotadas… isso nunca fez meus olhinhos brilharem. E aí me vi imersa em um grande ponto de interrogação!

Nota: Até esse momento, eu não imaginava outra possibilidade para mim que não fosse uma relação heterossexual e por isso minhas dúvidas e indagações baseavam-se nisso.

Eu observava os relacionamentos dentro do BDSM, via mulheres maravilhosas sendo servis fora do sexo (ou da sessão) e não compreendia aquilo.

Conforme fui lendo, conversando e adquirindo novos conhecimentos, vi que existia a possibilidade de me submeter apenas durante a sessão, o que chamamos por aqui de uma relação EPE (onde há apenas a entrega erótica de poder).

Pensei comigo: hmmm pode ser que esse seja o meu rolê! Mas ainda faltava alguma coisa, eu ainda sentia uma dualidade que se chocava entre a feminista e a submissa. Teria eu que abrir mão de uma coisa para ser a outra?

Todos esses questionamentos perduraram até que eu fosse apresentada ao conceito de persona e entendesse que muitas personas me constituem e que o fato da minha persona sexual ter prazer na humilhação e degradação, não anula a minha persona feminista, que também tinha o espaço dela para se expressar em prol de seus ideais.

Com isso resolvido dentro de mim, fui capaz de começar minha jornada pelo SubMundo dos prazeres e explorar essa minha expressão de libido.

Mas, como eu disse no texto anterior, eu não tinha consciência de quem era a belarina. “Ela” não foi pré-concebida a partir de um largo conhecimento sobre meus gostos, desejos e fetiches. Ela foi sendo moldada ao mesmo tempo em que eu fazia o caminho do autoconhecimento.

Eu fui criada e educada para não cometer falhas, para ser a melhor possível e pra ser boa. Lembro da frase que meu pai dizia quando eu ainda não tinha capacidade de entender metáforas: “já terminou de estudar? Então, começa de novo e estuda até sangrar”. Mesmo não entendendo exatamente o que ele dizia, eu sabia muito bem o que significava: eu não estava sendo boa o suficiente.

A construção da minha identidade foi baseada nesses valores que me foram ensinados e cada vez que eu precisava me anular pra ser perfeita, pra ser boazinha, pra agradar o outro, eu ia vestindo máscaras. Assim, eu aprendi a ser muitas, e escondia quem eu era de verdade, porque simplesmente ser a Paula parecia pouco, parecia insuficiente, parecia errado! Eu era errada e, então, eu performava o que esperavam que eu fosse para parecer certa.

O peso disso eu carrego até hoje e ainda é difícil pra mim aceitar que eu não preciso ser boa o suficiente pros outros, que eu não preciso agradar todo mundo, que eu posso não dar conta de tudo e que está tudo bem olhar pra mim primeiro antes de querer atender às expectativas do outro. Com muita terapia, hoje sou capaz de identificar que isso acontece, entender quando começo a pensar dessa forma, mas interromper esse ciclo ainda é sofrido e angustiante. Então, espero que mais pra frente eu venha dividir com vocês que realmente consegui deixar de querer carregar todos os pesos do mundo sozinha.

Bom, mas porque eu fiz esse mergulho e esse desabafo tão íntimo? Eu te explico!

Quando apresentei para vocês o conceito de persona sexual, expliquei sobre essa máscara lúdica que “vestimos” para interpretar papéis que saciem nossa libido.

Acontece que quando eu identifiquei que eu tinha uma expressão de libido que eu ainda não havia explorado, comecei a entender as dinâmicas BDSM e entrei nesse nosso palco imaginário, eu já carregava comigo tantas máscaras que a minha persona sexual não encontrava espaço para performar. Ali eu entendi que eu precisava começar a me despir de todas aquelas outras máscaras que estavam colocadas sobre mim uma atrás da outra para que a belarina encontrasse o seu lugar e pudesse iniciar seu balé naquele cenário tão desejado.

E, dessa forma, entre uma sessão de terapia e uma sessão BDSM, eu fui abandonando aquilo que não era meu e passando a me permitir, a deixar minha essência transbordar. Hoje, digo que durante uma sessão BDSM a belarina é a expressão mais pura da Paula. E não entenda isso como “uma submissa de alma”, porque não é sobre se submeter ao outro, é justamente o contrário disso, é ali que eu encontro um espaço seguro, sem julgamentos, sem críticas, sem exigências e metas impossíveis de serem alcançadas e só me permito estar e ser, e deixo que o meu Desejo me conduza.

Meu Dono diz que eu sou uma submissa ativa e eu não poderia discordar… rs. Em nossas sessões, respondo a Ele e respeito a hierarquia que acordamos, mas também sou a dona dos meus desejos e busco ativamente saciá-los.

Durante esse percurso fiz muitas outras descobertas, muitas novas formas de chegar ao ápice do prazer. Algumas delas que eu já compartilhei aqui com vocês, como o prazer na prática do cuckquean e o prazer na negação.

Mas lembra que no início do texto eu falei que acreditava que eu poderia me encaixar num modelo de relacionamento apenas com entrega erótica de poder (EPE)? Pois eu estava totalmente enganada e descobri que tenho imenso tesão na servilidade acordada e, principalmente, em me sentir posse de alguém.

Pode ser que isso te pareça um tanto quanto controverso à primeira vista, mas conforme você for dando seus passos nessa caminhada pelo SubMundo, você certamente vai conseguir entender esse jeito de jogar com a ludicidade do BDSM.

Essa é a minha forma de brincar com o poder! Com todo esse poder que a sociedade conservadora, patriarcal e normatizadora exerceu sobre mim. Essa é a minha forma de transgredir toda a norma que me foi imposta. Eu me aposso do poder, subverto a ordem e faço tudo isso virar gozo. E, assim, a belarina dança seu balé pelos palcos e teatros da minha imaginação.

Essa sou eu, essa é a belarina! Muito prazer!

Com carinho,

Bela.

AUTORA

Quem nos conduz nessa jornada pelo SubMundo é Belarina.

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Uma resposta

  1. Amei o texto e me identifiquei muito com sua história, bela! Acho que minha construção e meu processo de autoconhecimento “me aprisionando” (bem entre aspas, porque é como pode ser interpretado pelos outros mas não por mim) teve uma base parecida. Cobrança familiar (que eu incorporei de tal forma que hoje é totalmente atribuída ao meu sabotador interno) por ser o melhor, o mais perfeito, o mais agradável… e com isso fui vestindo máscaras e escondendo minha persona de tal forma que, quando eu revelei para meu marido e meus amigos próximos qual era minha essência, todos respeitaram mas levaram um choque… Posso imaginar que, numa sociedade machista e sexista como a nossa, para as mulheres conseguirem se liberar das amarras morais e preconceituosas (essas sim, são castradoras) deve ser ainda mais difícil e sofrido.

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