Muito tempo antes de eu pensar em conhecer o SubMundo e me aventurar por essa terra tão, tão distante, tudo o que eu sabia sobre sadomasoquismo era o que se vendia na mídia e nas artes em geral.

No meu imaginário, totalmente leigo, tratava-se de pessoas mal-encaradas, de roupas pretas, na maioria das vezes de couro, com maquiagens soturnas em becos ou boates sendo flagelados. Para o meu cotidiano normalzinho essa era uma cena que me causava arrepios.

Quando me percebi tendo tesão pela submissão pela primeira vez e descobri que a submissão era uma das letras de um acrônimo que incluía sadismo e masoquismo, logo pensei “então isso não é pra mim!”

Eu morria de medo da dor e não conseguia conceber a ideia de levar uma cintada e achar aquilo bom. A primeira vez que vi uma cena, meu impulso foi de “socorrer” a bottom e livrar ela do que, na minha cabeça, era uma tortura.

Porém, quanto mais eu lia, quanto mais eu conhecia desse universo, mais eu ficava tentada a experimentar a submissão. Saber que eu não era louca por fantasiar em ser subjugada durante o meu sexo normativo, que essa era uma fantasia comum a outras pessoas e que, principalmente, eu poderia tornar essa fantasia uma prática real, não saía mais da minha cabeça.

Então, eu me encontrei imersa em um caldeirão de sentimentos: desejo de viver as minhas fantasias, ansiedade de criança que se depara com um parque de diversões e um enorme medo do desconhecido.

A descoberta do BDSM além de me propiciar um espaço para viver minhas fantasias também trouxe consigo uma paixão pela história do movimento por liberdade sexual. Eu fui descobrindo como o movimento se originou, fui conhecendo os rostos por trás da história, pessoas que dedicaram suas vidas para que hoje possamos ter mais direitos e fui me encantando cada vez mais

Aqueles estranhos que antes eram flagelados no meu imaginário já não tinham o semblante tão sombrio, agora seus rostos já me mostravam uma expressão de desejo e satisfação.

Mesmo assim, eu não me sentia ainda confortável em me lançar no SubMundo e, durante um tempo, pensei que eu poderia me contentar em me dedicar ao estudo da história daquela comunidade e decidi focar meu projeto de mestrado nesse tema.

Acontece que na minha busca por conhecimento me deparei com aquele que viria a se tornar meu Mestre lá na frente. O destino parecia rir da minha cara e brincar com meus receios, pois o dominador por quem me encantei tinha S de sádico em seu nome. Isso não poderia ser mais irônico! Eu, medrosa que só, querendo servir um sádico!

Eu bem que tentei deixar a relação no interesse acadêmico, me auto-sabotei algumas vezes criando empecilhos, que hoje vejo completamente descabidos, mas cada dia que passava eu percebia que os meus desejos já não respondiam mais aos meus comandos, meus pensamentos eram todos Dele. Os “julgadorzinhos” que habitam minha mente estavam se digladiando na minha cabeça, de um lado um gritava “se joga, garota!” e o outro respondia “mas ele é SÁDICOOO!!!”

Enfim, aquele caldeirão de sentimentos entornou e já não era mais possível esconder a minha vontade de experimentar todas as sensações que eu estava conhecendo nos livros que lia e nos filmes que assistia.

Respirei fundo, tomei coragem e me permiti deixar a minha persona submissa nascer e explorar todas as sensações que o SubMundo poderia me proporcionar. E foi uma decisão muito acertada, diga-se de passagem! Quantas sensações novas, quantos prazeres diferentes e um novo tipo de orgasmo foi apresentado a mim! Venci o medo e flertei com a dor… a dor física e a dor psicológica, para minha surpresa, mexiam com meu corpo e minha mente de forma avassaladora e eram o alimento da minha submissão que complementava perfeitamente o meu cenário lúdico.

Fui me tornando íntima da dor, mas, até que eu me aceitasse masoquista, foi uma longa caminhada. De início, eu não me sentia no direito de me autodenominar masoquista. No meu pensamento equivocado que fazia comparações com as marcas de outras submissas e com a quantidade de tempo que elas suportavam ser flageladas em uma sessão, eu não me sentia digna de ocupar esse lugar.

Mais uma vez, estudo, tempo, terapia e autoconhecimento me ajudaram a ver as coisas de uma forma mais clara. Agora entendo que não existe isso de nível de masoquismo, que não existe sub mais masoquista, porque o meu prazer com a dor é real e legítimo ainda que o meu limite seja diferente do de outra pessoa. Se você gosta de levar tapas e não curte objetos, você é masoquista da mesma maneira que a pessoa que adora uma surra de cane. Além disso, não podemos esquecer que masoquismo não é apenas sobre sensações físicas e quem tem prazer na humilhação verbal, em ser diminuída e degradada também é masoquista da mesma forma.

Conhecer a experiência do outro para nos sentirmos parte de uma comunidade, nos sentir acolhidos, é uma delícia, mas traçar comparações é sabotar nossas próprias vivências.

Hoje não renego mais a masoquista que sou, ao contrário, tenho orgulho de fazer parte dos atores que vestem preto e são flagelados nos becos da minha imaginação.

Com carinho,

Bela.

AUTORA

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Uma resposta

  1. Sempre me perguntei também por que raios eu tenho o desejo de apanhar… na verdade ainda não tenho a resposta, algumas dores físicas são excitantes – tortura de mamilos, CBT – mas outras não trazem esta excitação diretamente, e sim através de um sentimento de humilhação e impotência.
    Acredito que é um aspecto do meu subconsciente que ainda precisa ser melhor estudado. Bom saber que outras pessoas também têm ou tiveram o mesmo “problema”…

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