Eu já compartilhei aqui no SubMundo uma das minhas vivências com minha irmã de coleira, os meus receios antes de conhecê-la, as sensações que nosso encontro me causou e como hoje eu a vejo como uma verdadeira irmã. Mas hoje vim dividir a minha visão sobre esse tema e contar minha opinião pessoal sobre como vejo essa relação, como acredito que seja uma conexão saudável e o porquê eu não concordo com a ideia de hierarquizar a irmandade de coleira ao escolher uma sub Alpha.
Muitos já conhecem o meu discurso sobre como defino o que é ser irmã de coleira, mas para deixar registrado e para os que ainda não me ouviram palestrar sobre o assunto, lá vai… No meu entendimento, irmã de coleira é aquela posse do Dono com quem eu tenho uma relação quase que fraternal mesmo. E eu faço uma distinção nesse sentido: se meu Dono tem 5 posses, eu não considero todas como minhas irmãs de coleira. Irmã vai ser só aquela que, assim como eu, está aberta a interagir e se relacionar comigo, portanto alguém que eu vou conhecer, conviver e estabelecer trocas. As demais posses do mesmo Dono, que optarem por se relacionar apenas com Ele, não serão minhas irmãs, mas apenas outras posses do meu Dono.
Faço um alerta, no entanto, de que isso não é uma regra que consta da ‘bíblia litúrgica do BDSM’, sendo apenas uma visão que faz sentido pra mim porque se coaduna com a minha noção de fraternidade que eu trago da vida baunilha. (Sim, pessoal… nem tudo da vida baunilha precisa ser descartado! Se você, assim como eu, tem um bom exemplo pra aplicar no BDSM e isso não faz mal ao outro, funciona bem pra você e não fere as premissas do SubMundo, está tudo bem).
Eu tenho uma relação muito legal com meu irmão do cotidiano normalizado e nosso elo é muito forte. Desde pequenos estivemos ali um pro outro: era ele quem de madrugada levantava, acendia a luz e abria todas as portas do meu armário e verificava embaixo da minha cama pra me mostrar que não havia nenhum fantasma ali e depois me fazia companhia pra dormir. Quando ele se acidentou na escola e abriu o nariz ao ser atirado na grade durante uma partida de futebol, o meu mundo desabou com a possibilidade de perder meu irmão e minha pressão desabou junto e tive que ser levada ao hospital junto com ele. Enfim, esse grande adendo foi minha forma de mostrar o porquê a irmandade de coleira é uma relação tão cara pra mim.
Agora, o fato de eu reconhecer algumas posses do meu Dono como irmãs e outras não, de nenhuma forma quer dizer que a pessoa que eu chamo de irmã de coleira seja melhor e a que eu chamo de posse do meu Dono seja pior. Isso não faria o menor sentido já que o BDSM baseia-se em acordos e se meu Mestre fez um acordo com uma posse que não inclui interação com o restante do reinado, isso em nada desmerece quem fez essa escolha. Então, eu chamar alguém de irmã de coleira não é uma classificação e não torna uma posse melhor que a outra, mas é simplesmente porque muito mais do que um título pra mim, chamar alguém de irmã significa que temos um laço que nos une e que foi desejado.
Entendido isso acredito que uma das grandes dúvidas sobre “irmã de coleira” poder ou não ser considerado um limite fica mais fácil de ser respondida. Se nossas relações são baseadas em acordos e podemos acordar que não queremos interagir com outras posses, logo, ter ou não irmãs de coleira pode ser um limite. E, vamos deixar uma coisa bem clara entre nós: só quem sabe dos seus limites é você! Ninguém tem o direito de ditar o que é bom pra você. No entanto essa questão tem alguns vieses…
Irmã de coleira pode ser um limite sim, o que não pode é ser uma imposição da parte submissa. Se o sub acredita que não se sentirá bem em uma relação não monogâmica, seja tendo convívio ou não com terceiras pessoas envolvidas na relação, ele pode e deve comunicar isso na negociação. O que ele não pode é impor isso como uma condição. Se o dominador quiser uma relação não mono e o bottom uma relação mono só significa que esses parceiros não deram match e precisam procurar outras pessoas que se encaixem na forma de relacionamento que faz bem a ambos. É importante salientar que o BDSM não é necessariamente não-monogâmico e há tanto dominadores quanto submissos que querem ter uma única relação.
Um outro tipo de limite relacionado a esse tema é que nenhum dominador pode impor a convivência entre as suas posses. Se eu sou uma posse e na minha negociação concordei que meu dono tenha outras posses, isso não quer dizer que eu tenha necessariamente que conviver e ser amiga de todas elas. Eu posso não querer conhecer nenhuma e assim não ter nenhuma irmã de coleira, mas meu dono ainda ter outras posses. Um dominador com bom senso vai saber respeitar isso e entender que uma convivência forçada não constrói relacionamentos saudáveis. E mais que isso, cabe ao dominador conhecer bem suas posses e uma vez que tais posses estão abertas a se relacionar umas com as outras, ele tenha a sensibilidade de perceber os perfis que se identificam e fazer a ponte entre elas.
Ainda pensando nos limites de uma relação, eu não podia trazer esse texto sem mencionar uma pergunta que recebi há algum tempo atrás questionando se o fato de eu ser receptiva a irmãs de coleira não estaria ligado a eu também me atrair por mulheres e que isso seria muito mais difícil para uma mulher hétero. E aqui vale um momento “ueeeeepa”! Primeiro preciso dizer que não é porque eu me atraio por mulheres que eu vou me atrair por qualquer mulher! Quem escolhe as pessoas que irão compor o reinado é o dominador e ele pode escolher alguém que não me atraia sexualmente. Um outro ponto relevante é que nem toda convivência entre irmãs precisa envolver práticas e atos sexuais, tudo vai depender dos acordos que forem feitos. É possível as irmãs não fazerem sessões juntas, mas conviverem socialmente, frequentarem eventos com seu dono, conversarem diariamente e ter uma amizade. Mas respondendo à provocação inicial, não, não é porque eu me atraio por mulheres que eu sou receptiva a irmãs de coleira e sim porque eu adoro me relacionar com pessoas.
Uma vez que as pessoas estão todas de acordo com uma interação, é importante pensar também como será esse primeiro contato. Aqui não há uma receita de bolo, porque o ser humano é muito plural. Há pessoas que são mais expansivas e outras mais introvertidas, mas acredito que uma boa dose de empatia e respeito caiba em ambos os casos. Apesar disso, há algumas condutas éticas que eu carrego comigo nos meus relacionamentos, então penso em duas possibilidades iniciais:
1. Tenho interesse no dominador de uma pessoa com quem eu converso, tenho alguma conexão, amizade ou alguma troca: sempre ajo com o outro da forma que eu gostaria de ser tratada, logo se eu me interessar pelo dominador de uma conhecida, minha primeira atitude seria declarar isso para a pessoa e perguntar como ela se sente a esse respeito. Seria extremamente desconfortável descobrir que uma pessoa com quem você conversa e/ou interage já negociava com seu dominador e não mencionou isso a você, não é mesmo? É uma situação em que claramente ocorre um desequilíbrio, onde uma parte sabe que está falando com uma provável irmã de coleira e a outra não tem noção disso.
2. Tenho interesse em um dominador que tem outras posses, mas eu não as conheço: se você não conhece as posses que já fazem parte do reinado, foque na sua negociação com o dominador, faça seus acordos com ele, inclua combinados sobre o relacionamento com as outras posses e aguarde a relação de vocês se concretizar. Quando a D/s estiver selada, converse com o seu dono sobre a melhor maneira de fazer contato com as outras posses, pergunte se ele gostaria de apresentá-las ou se você deveria apresentar-se para as demais. Pode ocorrer de uma posse também ir até você para te dar as boas-vindas e, nesse caso, você nem precisaria dar o primeiro passo. Então, deixe as coisas fluírem e acontecer naturalmente.
Eu acredito que possa falar com uma certa propriedade aqui, pois na minha experiência com outras posses, eu tanto já fui abordada por uma irmã que chegou depois de mim, quanto já abordei uma que já era parte do reinado, já iniciei uma conversa com quem chegou depois e já tive um primeiro contato intermediado pelo meu Dono. O ponto-chave para que todos esses contatos dessem frutos e virassem bonitas relações foi o respeito ao espaço do outro. Além disso, não perdi de vista a hierarquia e sempre consultei meu Dono antes de iniciar uma conversa com suas posses. A partir da Sua permissão, aí sim os diálogos foram abertos, primeiro perguntando se as pessoas gostariam de me conhecer e se relacionar comigo, depois lembrando que nos foi dada uma safeword e que poderíamos utilizá-la entre nós também caso alguma fala ou atitude fosse desconfortável para a outra.
Passado esse primeiro contato, todos se conheceram e demonstraram interesse em estabelecer um relacionamento a três ou a quatro ou quantos forem, é importante que todos se reúnam para refazer os acordos. Lembrem-se que eu fiz um acordo com meu dominador que não necessariamente é o mesmo acordo que Ele fez com a outra posse. Somos pessoas diferentes e únicas. Os meus limites não são os mesmos ainda que eu e a outra pessoa nos identifiquemos. E o que vai ou não acontecer numa relação com mais de duas pessoas precisa ser acordado entre todos.
A maioria dos pontos que precisam estar em uma negociação entre duas pessoas, também vai estar presente em uma negociação a três ou quatro ou mais. Porém, acrescentam-se mais questões e se a comunicação e o diálogo entre duas pessoas precisa ser constante e transparente, quando há mais pessoas isso se multiplica também.
E aqui eu, finalmente, toco no assunto de se ter uma sub Alpha no reinado. Para quem não sabe, a sub Alpha seria uma das subs de um reinado escolhida para estar acima das outras, seja por ter mais tempo no reinado ou por ter conquistado um respeito maior do dominador. De um jeito ou de outro trata-se de uma hierarquização das submissas e ao meu ver isso não é nada saudável.
A sociedade em que vivemos já estimula muito a competição feminina. Durante muito tempo as mulheres tiveram que lutar para ocupar postos de trabalho que eram de exclusividade de homens e, obviamente, nem todas conseguiam chegar lá.
Criar um ambiente em que uma mulher tem ‘menos valor’ do que as outras para sua parceria, além de reproduzir esse cenário competitivo, pode gerar ciúmes, insegurança, frustração e esse não é o objetivo do BDSM.
Eu acredito que as submissas de um mesmo Dono que recebem o mesmo tratamento, a mesma atenção e dedicação de seu dominador encontram um espaço muito mais harmonioso para criar o laço de irmãs de coleira. O tratamento igualitário é inclusive um facilitador no diálogo coletivo desse reinado.
E sobre a comunicação no reinado, durante essa minha caminhadinha no BDSM eu entendi que DS e DR se complementam. Eu sei que o senso comum entende DR como uma coisa negativa, mas eu particularmente vejo isso como algo valioso e que faz a relação evoluir. DR não é necessariamente brigar, mas literalmente discutir a relação, conversar sobre o que não está claro, sobre dúvidas, angústias, coisas que incomodam. Algumas pessoas podem achar isso estressante, mas eu, como uma pessoa que já esteve em um relacionamento onde faltou diálogo e onde as pessoas ficavam guardando os sentimentos e incômodos até o momento em que elas explodiam, acho sensacional poder sentar com meu Dono e falar isso, isso e isso está me trazendo insegurança e ele me escutar e me dar o ponto de vista dele e juntos resolvermos em uma conversa algo que poderia virar um problema e trazer sofrimento.
Quando a conversa inclui um dominante e suas posses, se elas estiverem em pé de igualdade, aquela que for mais comunicativa pode até incentivar aquela mais fechada a se colocar e se sentir segura para dar seus feedbacks. Quando há uma Alpha, ao contrário disso, além de uma possível insegurança em expor seus pensamentos ao dominante, também é possível que a figura da Alpha venha pra inibir mais as outras em se abrir para um papo honesto e transparente.
Por último, mas não menos importante, já falamos aqui que nenhuma negociação chega ao fim ou é imutável, certo? Estamos sempre ajustando os acordos e o fato de você ter se aberto para conhecer as outras posses do seu dono e ter irmãs de coleira não significa que você não possa voltar atrás e isso não é um demérito! Se você tentou, mas viu que não fica confortável com mais parceiros ou se não se deu bem com aquela pessoa, está tudo bem voltar ao acordo inicial. Você não precisa encerrar a D/s e nem se sentir mal por isso.
Por outro lado, quando o match entre as irmãs acontece, a D/s ganha um sabor especial e você ganha uma companheira para dividir as alegrias e delícias de ser submissa no SubMundo!
Com carinho,
Bela.
AUTORA
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