Há algumas questões que atravessam o SubMundo que não dizem respeito diretamente aos jogos que praticamos, mas que influenciam a forma como nós vamos nos relacionar com ele. Neste debate situa-se a questão dos corpos que não atendem ao regime da normatividade. E para conversar conosco sobre esse assunto, o SubMundo convidou a Dra. Vermelhinha.
Então, acomode-se e vem com a gente nessa jornada pelo SubMundo!
Com a palavra, Dra. Vermelhinha….
Há alguns meses atrás a comunidade BDSM se posicionou contra um caso explícito de gordofobia de um Top contra uma botton. Desde esse episódio o que mudou no pensamento da comunidade? Bottons continuam dizendo como se sentem inseguras com o seu corpo, com suas “imperfeições corporais”. A comunidade diz que não importa o corpo, importa a entrega, a plenitude da submissão.
Até poderíamos dizer que isso é um falso problema, mas não é. Continuamos escolhendo nossos pares a partir de um tipo ideal que foi determinado pela formação da nossa mentalidade, da nossa cultura. Tipo ideal esse que estabelece condições físicas desejáveis mais para mulheres (magras, claras, cabelos lisos e compridos, seios rijos, bunda empinada), que para homens, porque aí já age uma das condições que determinam nosso pensar que é o machismo.
[…] a noção de que diferença e hierarquia na sociedade são biologicamente determinadas continua a gozar de credibilidade, mesmo entre cientistas sociais que pretendem explicar a sociedade humana em outros termos que não os genéticos. No Ocidente, as explicações biológicas parecem ser especialmente privilegiadas em relação a outras formas de explicar diferenças de gênero, raça ou classe. A diferença é expressa como degeneração. […] Consequentemente, quem está em posições de poder acha imperativo estabelecer sua biologia como superior, como uma maneira de afirmar seu privilégio e domínio sobre os “Outros”. Quem é diferente é visto como geneticamente inferior e isso, por sua vez, é usado para explicar sua posição social desfavorecida.
(Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí em Visualizando o Corpo: Teorias Ocidentais e Sujeitos Africanos. 2002.)
Muitas vezes vocês já ouviram eu substituir o “mundo baunilha” pela expressão “cotidiano naturalizado”. Uso essa expressão porque nem nos damos conta de como naturalizamos essa formação cultural ocidental, cristã, machista, racista, homofóbica e discriminatória de corpos. E essa aceitação natural do que conforma a nossa “civilização” nos concede certezas burras; estabelece padrões comportamentais discriminatórios que repetimos ao longo dos anos, independentemente de onde estivermos.
Você não deixa a formação da sua personalidade, do seu eu, da sua psique quando vem para o play do BDSM. O ser humano é integral e se perde tentando viver em caixinhas; se parte nessa tentativa e depois ouve que precisa se autoconhecer, cultivar sua autoestima. Nada mais difícil nesse mundo que nos lembra a todo minuto de como somos imperfeitos.
O posicionamento da comunidade BDSM contra a gordofobia foi um passo importante para nossa reflexão sobre esses lugares que querem nos determinar, nos silenciar, nos subjugar (muito diferente da submissão). Pelo menos Tops e bottons vão pensar um pouco mais antes de serem gordofóbicos.
A sociedade ocidental classificou as mulheres como corpóreas, as coisificando, retirando-lhes a condição de seres pensantes. A indústria do emagrecimento, muitas vezes disfarçada na ideia do “bem estar” (e aí mulheres com pequeníssimo excesso de peso se acham gordas), gera milhões por ano ao sistema capitalista.
Mas afinal Vermelhinha como vamos lidar com isso? Rompendo os estereótipos, fazendo os questionamentos (dúvidas são sábias) necessários quando se sentir vítima de discriminação (vale também para negres, deficientes físicos, e todes que se sentirem excluídos). Discriminação de qualquer conteúdo não pode se criar em uma comunidade que se autointitula libertária.
Eu, como filósofa africana e iniciada no Candomblé, olho para o mundo pela Cosmopercepção iorubá que privilegia uma combinação de sentidos que não se reduzem ao visual, ao corpo coisificado. Meu corpo é o território sagrado em que eu habito; é ele que me permite estar e interagir no mundo; é ele que me permite pertencer a mim mesma.
Falo dos lugares que ocupei e ocupo na minha vida e que me permitem saber de onde olho o mundo. Quando descobri que minha sexualidade e sensualidade estavam intimamente ligadas à submissão, que meu prazer se fazia no exercício da verticalidade do poder, sabia que tinha encontrado o meu lugar. Uma mulher que durante toda sua vida lutou contra a colonização de mentes e corpos; que questionou a família, a tradição e a propriedade, não poderia estar inteiramente satisfeita na performance de sua sexualidade, se não rompesse com a mesmice que tenta escravizar os corpos a não ter o prazer que lhes convém.
VENHAM, pensem fora das caixinhas, se reconciliem com seus corpos sagrados e lembrem-se que TODO PRAZER É SAGRADO.
SubMundo por Dra. Vermelhinha
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Quem nos conduz nessa jornada pelo SubMundo é Belarina.
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Uma resposta
Posso estar sendo ingênuo, mas tenho percebido que as pessoas que rejeitam os estereótipos têm tido mais voz ultimamente. Percebo um movimento de maior aceitação das imperfeições das pessoas – embora não seja unânime, tem-se discutido mais o assunto. E isso é fantástico, pois todos nós temos um ou outro “defeitinho”, que nos torna únicos. A beleza do ser humano está em sua diversidade!