VAMOS FALAR (OU NÃO, TALVEZ NÃO QUEIRA) SOBRE BRATS?

Brats, de onde vem? O que comem? O que bebem? Por que tão odiados? E por que são tão mal incompreendidos? Hoje, no Globo Repórter, neste post!

Quem é brat sabe que, mencionar suas preferências é garantia de alguns blocks, ouvir imediatamente um “mas eu não gosto de brat” ou, ainda, um “você gosta de falta de educação, né?”.

Ainda tivemos uma onda (que ainda bem que passou) que definia brat como um comportamento que não fazia parte do BDSM. Isso rendeu já muitos fios de cabelo branco na cabeça da pessoa que escreve este texto, algumas rugas e a certeza de que ainda se fala muito pouco sobre essa posição por uma perspectiva de quem está, de fato nela.

Por isso, queremos hoje conversar um pouco mais sobre o que é brat, o que não é brat, a partir de um olhar um pouco diferente sobre isso: olhando a perspectiva do bottom e seus campos de desejo. E, obviamente, ao final, um pouco de relato anedótico, porque achamos que isso oferece melhores possibilidades para entendermos melhor esse contexto.

Ah, um adendo: é muito comum alguns conteúdos sobre o tema sempre trazerem a nomenclatura focada no feminino. Não acho que insurgência seja um comportamento de apenas um gênero (na verdade, poderíamos ir longe nessa discussão, mas calma, titia chega lá). Então sim, não esperem aqui esse tratamento, ok?

E caso não concorde, reforçamos sempre: este é um espaço coletivo, então estamos sempre abertos para outras visões e questionamentos, ok? Boa leitura!

Por que brats são tão incompreendidos?

Em primeiro lugar, temos um duplo movimento quando falamos sobre brats: temos as pessoas que utilizam dessa identificação para comportamentos não consensuais, agressivos (já que agressividade não é só sobre condutas físicas), desrespeitosos e que nada tem a ver tanto com BDSM quanto com brats. Essas pessoas justificam a falta e respeito com que agem dizendo “ah, desculpa, eu sou brat”, mas não é bem assim.

Tal como todas as demais posições, os comportamentos característicos se estabelecem a partir da constituição da relação. Por exemplo, uma pessoa que se identifique como dominadora não pode chegar mandando em uma pessoa que se identifique como submissa já dando ordens e esperando ser atendido. O mesmo vale pra brats (AINDA QUE FOSSE ACEITÁVEL o comportamento desrespeitoso, o que não é). Uma pessoa que se identifique como brat só pode performar as condutas referentes a sua posição a partir de uma relação pré-estabelecida e de forma consensual. Você não pode, por exemplo, tacar um copo de água na cara de quem está como tamer num bar só ‘porque sim, tô desafiando’, totalmente out of blue. Não é assim que a banda toca.

Outro ponto é que não importa a sua posição, o respeito é ponto-chave. Para além do jogo, somos seres humanos. Isso não muda, até mesmo quando você não é um humano nas dinâmicas. Rs (um abraço, beijo, pedaço de queijo para dolls, drones, pets, entre tantos outros não-humanos queridos do BDSM).

Por outra via, temos uma generalização. A partir do momento em que esse perfil “babaca” é tomado como o padrão, a regra, a ideia é que mais pessoas acreditem que brats são essas pessoas e, com isso, fique essa visão ruim de quem se identifica assim.

Contudo, eu queria fazer uma ressalva. Por exemplo, tem pessoas que não gostam de jogar com pets, não é a praia delas. Mas ninguém diz “eu não gosto de pets”, fala que “essa dinâmica não me agrada”. Já com brats, a visão é outra: é individualizada. Eu poderia discorrer absurdamente aqui sobre o quão esse discurso é problemático, mas acredito que não precise, acho que já entenderam, não é mesmo?

Vamos falar sobre foco atencional?

Talvez para entendermos melhor porque brats são o que são, mudar o nosso olhar pode trazer um pouco mais de clareza sobre a questão. Isso porque quando falamos de brats, é muito comum trazermos de onde surgiu isso, que é do termo inglês “brat”, que, na tradução ao pé da letra, significa “pirralho”.

Ou, ainda, segundo o Cambridge Dictionary, brat é “uma criança, especialmente, que se comporta mal” (tradução livre, ok?). Assim, para a língua inglesa, no uso comum, brat é aquela criança ou jovem que se comporta de forma pirracenta ou desobediente para ter o que quer, ou “porque sim”.

“Importado” do age play, brat passou a compor os comportamentos insurgentes de quem está na posição de bottom. Ou seja, quem é bottom, mas que de alguma forma, coloca em xeque alguns comportamentos esperados nesta posição. Estão aqui também SAMs e Break-me.

Muitas vezes é fácil confundir entre eles. É fácil, até, ter uma visão simplista de brats como “pessoas que só querem ser irritantes”. Ok, as vezes pode até ser irritante, mas muitas vezes, a questão cerne não está no “ser irritante”, mas em outra ordem. Isso dependerá do foco atencional da pessoa para realizar o seu desejo, ou seja, aquilo que vira a chavezinha ali na mente da pessoa e que desperta prazer. E daí poderemos entender que uma pessoa pode ser brat e talvez não ser o modelo “clássico” irritante.

Ok, muita fala, pouca explicação, vamos destrinchar um pouco desses três comportamentos insurgentes para entendermos melhor.

SAM

SAM é a sigla para Smar-Ass Masochist. Ou seja, é aquela pessoa “espertinha” que age de forma inesperada a sua posição para obter a punição que atenda ao seu anseio masoquista. Dando um exemplo bem clichê, é uma pessoa submissa que desobedece a pessoa dominadora para, talvez, ser punida com um spanking.

Aqui o objetivo é buscar, via punição, ter o seu desejo de sentir dor/ser humilhada/ter punições sádicas de outras esferas (já que o masoquismo não necessariamente se restringe a esfera da dor) atendido. Ou seja, ela contesta para que seja infligido sobre si algo que atenda o seu desejo. Ainda que seja uma postura ativa dela, mas o campo de prazer está em receber algo em si.

Break-me

As pessoas que caracterizam-se como break-me são aquelas que gostam de serem subjugadas. Ou seja, que elas sejam submetidas a pessoa top pela força, que elas cheguem ao ponto de não ter uma outra saída para além daquela.

São pessoas que, por exemplo, podem se recusar a obedecerem uma ordem para que a pessoa top levem ela a realizarem aquilo à força. Por exemplo, elas podem não colaborar para serem imobilizadas, de forma que o sucesso dessa ação por parte do top dependerá dele conseguir impor isso à força. Ou seja, bottom não cedeu esse poder facilmente, foi tirado dessa pessoa nesse contexto.

Mais uma vez, o ponto aqui está na esfera da pessoa bottom. Ela chegou no estágio em que não tinha mais o que fazer. Ela foi subjulgada. O controle foi totalmente tirado dela. Ela agiu de forma ativa (recusando-se a fazer algo) para que aquilo fosse imposto a ela por meio da força. É a imposição de algo sobre essa pessoa que “vira a chave nela”.

Brat

E então chegamos nas nossas queridas pessoas brats. Brats são questionadores ou então se comportam de uma forma não-esperada (podendo ser irritantes ou não). Por exemplo, se um top diz “quero que você faça um café para mim”, se a pessoa bottom quiser, pode fazer com açúcar e dizer “mas você não especificou que deveria ser sem açúcar”. Inclusive, até mesmo deixar a pessoa top em estado de tensão e alerta constante de uma desobediência e surpreender fazendo…. Nada!

Mas afinal, onde está o foco atencional de pessoas brat? Está sobre a pessoa top. Deixar a pessoa desconcertada, fora da zona de conforto, ver seu poder questionado/tirado/deslocado e ver o trabalho para retomá-lo (o que, muitas vezes, pode não ser fácil). Jogar com brat é jogar com um constante estado de tensão, no qual a pessoa bottom pode dar uma puxada de corda mais forte que a pessoa top não estava esperando. E, por isso, também é interessante notar as formas como a pessoa top vai se garantir de que essa corda não poderá ser puxada. A partir disso, brat começa a notar outras brechas e é esse o jogo.

Se você tem gatos, talvez, cara pessoa leitora, vai entender melhor: já viu que gatos não gostam de brincar, seja com outros gatos, seja com a sua presa, se elas estiverem imóveis ou em sua zona de conforto? Você já deve, inclusive, ter tomado um tapinha de um gato enquanto passava pelo corredor, ou notou que se uma bolinha estiver parada, para eles não tem graça. Uma presa imóvel não tem graça, o gato precisa jogar ela para lá e para cá. Se ele está brincando com outros gatos da casa, se o colega está imóvel, ele vai lá e bate para chamar atenção e começar a brincadeira. Não tem graça brincar se a parceria está parada, confortável, em sua zona de conforto, apenas esperando o próximo movimento.

Ser brat é isso: é ser esse felino que vai lá, dá o tapa e sai correndo. É tornar o jogo dinâmico na esfera de poder (afinal, pessoas dominadoras e submissas poderão sim ter jogos dinâmicos, mas a fluidez de poder é constante, não é questionada). E a parte de disciplinar está aí e tem outro ponto: a disciplina é constante.

A melhor analogia que eu já li, inclusive, já foi publicada aqui no site ao falar sobe Brat Tamer: “O leão respeita seu domador, mas continuará a ser uma fera. No entanto, se este domador o maltrata, ele engolirá seu domador, pois não o respeitará. Se ele recuar por medo, lhe comerá assim que der as costas”.

Um pequeno relato anedótico

Ok, talvez ainda você, pessoa que está lendo isso, possa estar ainda tentando entender o que é ser brat, afinal. Como brat que sou, poderia terminar por aqui e deixar você esperando pelo relato anedótico, mas como falamos, isso não é consensual, não é um jogo, não acordei nada contigo. Então vou contar um pouco de algumas situações que já passei.

– a primeira vez que senti o meu lado brat contemplado foi quando fiz um comentário sobre a impossibilidade de realizar uma situação específica pelo contexto daquele momento. A mudança na respiração, a alteração no tom de voz, o olhar que mudou foi o suficiente para virar a chave: eu sabia que a minha fala o tinha tirado do controle, havia afetado, havia deslocado a pessoa da condição confortável em que ela estava. Sabia que eu estava noticiando-o de sua frustração, tornando-a escancarada e ele não gostou disso. A irritação me excitou;

– outro momento foi durante uma sessão em que um tapa na cara passou atravessado pelo rosto, acertando somente o cabelo. Aquilo poderia passar despercebido, ambos sabiam (afinal, não teve pele atingida, né?). Mas eu rir e noticiar “você errou, viu?” alertou a pessoa para a falha, que eu havia notado, que a “execução impecável” não aconteceu. Eu rir ainda deu um tom cômico para a situação. Quebrou o planejado para a sequência. Mais uma vez, todas as mudanças físicas imediatas e notar passando ali diante dos olhos o “recalculando a rota” me causou um êxtase sem tamanho. E quanto mais demorava para a rota ser mudada, mais eu ria. Uma gaguejada? “han…han… han… fala ué”. Sabia que, naquele momento, o controle da cena estava em disputa. Eu queria ganhar ele? Talvez não. Mas queria sentir na tensão expressa no rosto da pessoa que ela poderia perder se não agisse rápido. Dinâmica de poder, lembra?

– para uma pessoa brat, ouvir um “eu vou tirar esse sorrisinho da sua cara” é lido como um desafio. Então, bom, challenge accepted. Então tem momentos que eu vou lembrar dessa frase. Que eu vou manter o riso e o deboche para falar “meu sorriso ainda tá aqui, viu?”. Para lembrar que, apesar da posição dada, aquele objetivo não foi cumprido. Que eu ainda tenho uma réstia de poder e controle em minhas mãos (“eu ainda estou rindo, significa que eu posso tomar esse poder de você a qualquer momento”);

– toda vez que eu vejo uma cara desconfiada diante de um comportamento caracterizado como submisso, essa chave vira. Porque sei que a pessoa está esperando um comportamento desobediente. Ela está sob pressão, lendo cada movimento meu e esperando por quando eu vou “cutucar a onça com vara curta”. A energia desperdiçada tentando ler meus movimentos, ou ver uma espécie de frustração ao ver traçar todas as estratégias para me controlar tendo sido inúteis, pois estou um anjo, é uma delícia também.

Bom, e aí, o que acham dessa visão? Brats podem ser divertidos, podem ter uma irritância engraçada, podem tornar sua vida (kink) deliciosamente um inferno. Por isso, exige que você goste de ser desafiado, de ser instigado, de ser a pessoa criativa que gosta de criar estratagemas para domar esse felino indócil. Podem não ser seus melhores parceiros de jogo, mas por favor, vamos parar de dizer que “odeio brats”. Ninguém diz que odeia tops, que odeia dominadores, ou que odeia sádicos. Só não é afeito a determinadas dinâmicas. Respeitem um pouquinho mais, viu?

Comenta aí o que acharam, se concordam, se discordam, enfim, vamos conversar sobre o tema!

AUTORA

HACKING SEX

Nascido de uma ideia de mudar o sistema por dentro, aproveitando as brechas de vulnerabilidade para repensarmos e fortalecermos as concepções sobre (a)sexualidade(s), em constante (des)(re)construção, feito de forma coletiva. Construindo uma comunidade com o fortalecimento de todos os membros, abrindo espaços para trocas colaborativas de ideias, para que todos possamos crescer juntos no processo.

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