IST E BDSM: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O ASSUNTO

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Olá amores, como vocês estão, tudo bem? Após uma longa retirada estratégica para cuidar da saúde mental, cá estamos de volta para nossas reflexões coletivas e convidando vocês, mais uma vez, a seguirem lado a lado com a gente nesse assunto que muita gente sente desconforto em pensar sobre, mas precisamos falar sobre isso.

Aqui no site já tivemos boas discussões sobre o tema. Por exemplo, a PrEP e a PEP já foram apresentadas, já foi falado sobre preservativos e sua importância, a Sra Storm já apresentou sobre a importância do Dezembro Vermelho e sobre ISTs no BDSM, bem como fez uma sequência de posts sobre o tema na página do clã DarkRoom, nosso anfitrião Dom Barbudo fez parte da campanha “+ Dias – AIDS + Liberdade”.

Além disso, também dedicamos uma série de posts sobre as principais ISTs e estamos continuando as discussões sobre HIV lá no Instagram do Hacking Sex e vamos trazer elas para cá ainda, viu? Se você tem dúvidas sobre o tema IST, de modo geral, saiba que não faltam hoje informações muito boas sobre o tema.

Mas afinal, se já falamos tanto sobre, por que trazer mais um conteúdo?

Porque falar sobre IST leva a muitas discussões. Precisamos partir da questão de que nem tudo é tão óbvio quanto imaginamos.

E, claro, temos também algumas questões importantes a falar sobre o assunto e que convidamos você a discutir conosco. Vamos juntos nessa jornada? Segue com a gente!

Por que hoje falamos em ISTs e não mais DSTs?

Para muitos ainda fica a dúvida: ok, mas por que hoje usamos ISTs? DSTs não existe mais? Entender isso é uma mudança que pode soar sutil, mas ela é muito importante: nem sempre toda infecção por um agente vai gerar a doença (ou seja, possa desenvolver sintomas). O exemplo mais clássico sobre o tema é a diferença entre ter a infecção por HIV e desenvolver AIDS. Com os tratamentos cada vez mais avançados, uma pessoa que tenha em seu organismo o vírus do HIV não necessariamente vai desenvolver a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, tendo uma boa qualidade de vida e bem-estar.

Mas temos um outro ponto importante aqui ainda sobre ISTs e que essa mudança também deixa mais claro: uma pessoa que tenha a infecção e não faça os tratamentos indicados para o quadro ou, ainda, que não saiba que tenha sido infectado, pode transmitir o agente (vírus, bactérias, protozoários etc.) para outras pessoas.

Ok, mas se não tenho sintomas, como descubro que tive a infecção? Exames periódicos, amores. Precisamos desestigmatizar a realização de exames de protocolo IST. Temos, por exemplo, a possibilidade de realizá-los totalmente de graça no SUS, incluindo os testes rápidos. Em 30 minutos você pode sair com os resultados em mãos (contudo, lembre-se que cada infecção possui uma janela e, portanto, pode ser necessário repetir os exames depois de um determinado número de semanas).

Prevenção de IST no BDSM

Aqui agora vou falar como “pessoa física”, não como “pessoa jurídica”: não sou fã de termos uma postura alarmista-terrorista sobre IST. Guardo comigo até hoje o folheto de quando acompanhei um teste de HIV, no ano 2000, como uma forma de lembrar as razões pelas quais, por muito tempo, enxerguei o sexo como um risco de vida. E isso porque eu cheguei na idade adulta nos anos 2010, hein. Isso me fez, por muito tempo, ter medo do sexo. Não acho que processos pedagógicos se fazem por medo, mas sim dando autonomia para que os indivíduos tomem suas decisões de forma consciente.

Acredito que o caminho é uma educação conscientizadora, acolhedora e empoderadora: você tem as informações em mãos, sabe pesar prós e contras e, principalmente, esteja atento sobre a responsabilidade sobre si e sobre sua parceria. Se, por exemplo, vocês abrem mão do uso de preservativo por manterem um diálogo aberto e franco e terem um acordo de uso de preservativo com outras parcerias, lembre-se que: (1) toda quebra de acordo, de forma ética, deve ser comunicada e (2) tenha consciência que há o risco, por mais que você confie, de que a sua parceria pode quebrar esse acordo.

Ainda dentro do BDSM temos resquícios de muitas pessoas que estudaram essa visão ainda com uma visão estereotipada (por exemplo, a correlação entre promiscuidade e maior risco de contrair HIV, como podemos ver na página 522 do PDF com o arquivo completo do site Desejos Secretos). Afinal, o meio não é descolado da realidade e ainda temos muita discriminação acontecendo em todas as esferas. Por exemplo, segundo pesquisa da UNAIDS, feita com 2000 pessoas soropositivas no Brasil, 64,1% das pessoas entrevistadas já sofreram algum tipo de preconceito ou discriminação por viverem com HIV (a UNAIDS está desenvolvendo um novo estudo, então em breve poderemos ter uma atualização nesses dados).

Por isso aqui a ideia é falarmos abertamente sobre alguns dos principais pontos de vulnerabilidade que abrem maiores chances para infecções. Contudo, sabemos que a criatividade dos praticantes é muito grande, não é mesmo? Não dá para abranger todos os pontos. Por isso, estenda sua mente imaginativa para outras possibilidades. Sempre que pensar em algo novo, tente correlacionar com “riscos clássicos”. Isso dará uma maior dimensão de como é possível ter medidas preventivas.

Ainda temos como melhor forma de prevenção os métodos de barreira (preservativos internos e externos, sendo esse último o que oferece maior área de proteção, por proteger a região da vulva de pessoas com vagina). Contudo, ainda assim, sejamos realistas e conscientes: ainda assim há o risco de uma infecção por IST.

Pelo fato de a epidemia de HIV ser algo ainda muito recente em nossa história, tendemos a relacionar os cuidados com IST com aqueles relacionados com essa infecção específica. Ainda me surpreendo, esbarrando em alguns grupos no Facebook, com o desconhecimento, por exemplo, que uma pessoa sem feridas abertas pode transmitir herpes genital para sua parceria no sexo, mesmo com o uso de preservativo. Basta que, por exemplo, o vírus esteja alocado fora da área de proteção e tenha contato com a mucosa da parceria. Ainda vamos explicar mais sobre isso quando falarmos de cada uma das ISTs nas próximas publicações.

Ok, mas não faço coito nas minhas sessões, e aí?

BDSM não é sobre sexo (aqui limitada ao conceito senso comum, com a visão ligada a “coito” ou, em outras palavras, como prefiro dizer, a necessidade de estímulo de genitálias). Mas fato é: BDSM é sobre contato. Eventualmente eles acontecem e, em muitas práticas, esse contato pode fazer com que potencialize-se as chances de transmissão de IST. Quer ver alguns exemplos?

  • em um needle play, por exemplo, as agulhas, se não devidamente manipuladas, podem causar acidentes que podem transmitir ISTs para a parceria, bem como também o descarne inadequado pode levar que terceiros (por exemplo, profissionais de limpeza urbana) possam se machucar no contato inadvertido com as agulhas e
  • o uso de uma corda que passe pela região genital desprotegida (incluindo a região da virilha) e que não seja devidamente higienizada pode contaminar próximos parceiros;
  • o compartilhamento de itens que tenham passado por regiões genitais ou contato com secreções que possam ser fonte de transmissão de ISTs só deve ocorrer com a higienização/esterilização adequada dos objetos. Na verdade, o ideal é que cada um dos jogadores tenha seus próprios itens, quando possível. Por exemplo, o uso compartilhado de um magic wand pode gerar transmissão cruzada entre os participantes;
  • a escolha de materiais que vão ser utilizados também é fundamental: alguns dificultam a higienização (por exemplo, plugs com reentrâncias e de materiais que dificultam a limpeza adequada) e podem, portanto, facilitar transmissão não só de ISTs, mas de outras infecções causadas pela proliferação de agentes no material;
  • mesmo que a olho nu não pareça que uma pessoa tenha se machucado, sempre higienize os materiais após uma sessão de spanking. Microfissuras podem ter ocorrido e elas vão aparecer de forma mais clara algum tempo depois. Até mesmo, por exemplo, um flogger que passe repetidamente por regiões com secreções pode tornar-se vetor de infecção para outros participantes (novamente, lembre-se que não temos só o HIV como IST, viu?);
  • na dúvida, se vai ter contato com secreções que tenham maior potencial de transmissão de IST, utilize equipamentos de proteção (por exemplo, uso de luvas para realização de blood play. Isso vale, também, para bottom, para minimizar chances de outras infecções na manipulação da pele aberta pela prática).

Lembre-se que cada um dos agentes causadores de ISTs possui um tempo de sobrevida fora de um hospedeiro. Por exemplo, o do HIV é relativamente rápido, sendo muito frágil ao meio externo. Contudo, outros vírus possuem um maior tempo. Estima-se, por exemplo, que cepas do HPV possam viver até uma semana fora do corpo. Entende, portanto, a importância da higienização adequada?

Esse ainda é um tema pouco falado e, inclusive, pesquisado! Segundo pesquisa feita por pesquisadoras da área de medicina, publicado em 2017, realizando uma revisão sistemática sobre pesquisas sobre a higienização adequada de sex toys, elas descobriram que ainda é necessário investigações mais robustas sobre o tema.

A importância de desestigmatizar as ISTs

Se defendemos a importância da prevenção, precisamos ser honestos e claros sobre outro ponto: o risco existe. Como você viu, até mesmo com o uso do preservativo, algumas infecções podem ocorrer (mas vamos deixar claro que isso não invalida o uso de métodos de barreira como a melhor forma que temos hoje de prevenção, ok?).

Ainda há, de forma velada (e em alguns casos, escancarado) a ideia de que contrair uma IST torna a pessoa suja, ou que ela tenha sido irresponsável, promíscua, que sua vida acabou, entre outros pontos. O que talvez seja difícil de assimilarmos, pelos estigmas sociais e preconceituosos que temos ainda, é que: IST é uma infecção e, como tal, não define caráter e moral de ninguém.

Lembro-me de ter visto um post, num contexto baunilha, no qual a pessoa fazia um relato de sentir-se suja após ter uma manifestação clínica de herpes na região genital e questionando a fidelidade de sua parceria (bem como a responsabilidade afetiva de ter transado em um momento que ela suponha existir uma crise).

Aqui não é passar a mão na cabeça do outro lado, mas trazer alguns fatos importantes sobre a herpes:

  • a infecção por um dos vírus que causam a herpes (majoritariamente o HSV-1 ou HSV-2) é de 90%. Muitas pessoas podem ter tido contato com o vírus (inclusive de forma vertical, ou seja, durante o parto normal) e nunca desenvolverem uma crise, ou então, ela ocorrer anos depois do primeiro contato;
  • a herpes pode ser transmitida no período de latência (ou seja, sem a presença de bolhas ou feridas), ainda que seja raro. Mas acontece;
  • se o vírus estiver alocado em uma região fora da área de proteção do preservativo (por exemplo, no sexo pênis-vagina, se ele estiver presente nos testículos e o casal transar com camisinha externa, o contágio pode acontecer pelo contato da região com a vulva).

Quando entendemos isso, tiramos um pouco do peso que o diagnóstico dessa infecção pode trazer. Isso vale tanto para nós mesmos quanto para nossos colegas, amigos e parcerias que tenham o diagnóstico.

A moralização sobre o sexo faz com que os “desvios” e problemas possam gerar uma culpa forte em quem contrai uma IST. Isso não é definidor de caráter, não é uma mácula, uma chaga, que vai te marcar para sempre.

Lembramos: isso não é isentar as pessoas de responsabilidade de prevenção e honestidade com suas parcerias. É saber dosar o que é responsabilidade e o que é uma culpa que está ligada com uma certa postura moralizadora.

Solicitar exames x direito de privacidade e sigilo

Uma vez recebi uma pergunta muito delicada e que, como sempre, deixo aqui um questionamento em aberto para finalizar este texto (que já está longo, eu sei!): falamos muito sobre a importância de abrirmos o jogo com as parcerias, compartilhamentos de exames

Mas em contrapartida, temos a discussão do direito ao sigilo. Afinal, é sabido que pessoas com IST que não tem cura (e, mais especificamente, HIV), sofrem muitos preconceitos e discriminações. Com isso, muitas pessoas não se sentem confortáveis para abrir a sorologia, exceto para quem realmente é muito íntimo. Mesmo em casos que i=i (ou seja, a transmissão não ocorre), as pessoas evitam se expor, como forma de proteção.

Bom, e aí, o BDSM é sobre transparência, mas e a autopreservação, como fica? Por exemplo, segundo a UNAIDS, mais de 90% das pessoas trans que tenham HIV já sofreram algum tipo de discriminação. Some aí as diferentes discriminações que essas pessoas passam todos os dias, é realmente condenável que queiram preservar algo tão íntimo? Afinal, vocês dividem mesmo TUDO com suas parcerias de BDSM? Ok, sabemos que pode ser uma questão de saúde, mas quando ela não interfere (ex: i=i), isso deveria ser um ponto a ser falado? Mas e a transparência nas relações? Como fica essa balança?

Não é uma questão fácil, sabemos. E por isso escolhemos este questionamento para deixarmos ao final e convidarmos vocês a opinarem sobre o assunto: e aí, em que ponto está o equilíbrio nesta situação?

Como sempre falamos, o Hacking Sex é um projeto de (des)(re)construção constante. Por isso convidamos vocês a opinarem sobre o tema (com parcimônia, respeito e sem discriminação, por favor, ok?). Deixe nos comentários a sua opinião sobre o assunto.

AUTORA

HACKING SEX

Nascido de uma ideia de mudar o sistema por dentro, aproveitando as brechas de vulnerabilidade para repensarmos e fortalecermos as concepções sobre (a)sexualidade(s), em constante (des)(re)construção, feito de forma coletiva. Construindo uma comunidade com o fortalecimento de todos os membros, abrindo espaços para trocas colaborativas de ideias, para que todos possamos crescer juntos no processo.

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