O QUE APRENDI COM A COMUNIDADE BDSMER EM 2021

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Fim de ano é aquele momento de pontos de virada, nos quais nos deparamos com dois momentos importantes: olhar para o passado e entender o que passou no último ciclo e olhar para o futuro e intencionar aquilo que queremos.

Nesse primeiro post antes do fim de 2021, faço um olhar para o passado, bem pessoal, sobre o que acompanhei nesse período. Você pode concordar, discordar, entender vários nadas, achar que é shade (sem tempo pra shade, irmão), não ter visto muitas coisas que vou listar aqui, mas mais uma vez: que esse seja um espaço de diálogo e isso envolve o contraditório. Então sinta-se bem-vindo para entrar em contato e reclamar, se for o caso. rs. E aproveite para compartilhar seus aprendizados também!

Bom, vamos juntos nessa jornada?

Nós sabemos o que é, de fato, comunidade?

Talvez essa seja a pergunta que mais me moveu nesse ano e que, sinceramente, ainda não tenho uma resposta. Tivemos um movimento muito bonito diante de uma situação de gordofobia no meio que teve uma forte adesão. Aquilo foi bonito de se ver. Foi o momento que eu respirei fundo, depois de uma pausa, e decidi voltar para os debates.

Contudo, se eu tivesse que definir, pelas minhas experiências pessoais nos debates dentro do Instagram (que, precisamos deixar claro, se entendemos que a comunidade é o debate do Instagram, estamos já saindo no erro), diria que ainda precisamos avançar muito para entender esse conceito seminal.

Uma das definições de comunidade é: “estado ou qualidade das coisas materiais ou das noções abstratas comuns a diversos indivíduos, comunhão”. Outra é “qualquer conjunto de indivíduos ligados por interesses comuns que se associam com frequência ou vivem em conjunto”.

Aí ok, são determinados fetiches e protocolos que nos unem? É a presença ou não da verticalização? É o jogo lúdico? Ok, sim, temos pontos em comum, mas ainda assim, será que somos comunidade? O fato de termos interesses em comum é o suficiente?

Aqui eu me atentaria para um ponto: comunhão. Que é a sintonia de sentimentos de modo de pensar, agir ou sentir, identificação. É caminhar em conjunto. Será que estamos fazendo isso? Ou estamos em jornadas egoicas, gritando cada um em seu eco e esperando ser ouvido, quando não quer ouvir?

Outro ponto importante a refletir: a comunidade vai para além dos seus membros. Ela existe antes de cada um deles e continuará existindo depois deles. Entender isso tira um pouco do peso de buscar ser uma “autoridade” ou “grande nome da comunidade”. Se partilhamos coisas em comum, nossas relações são (ou deveriam ser) horizontalizadas. Para comungarmos, não podemos ter alguém que faça sozinho alguma contribuição.

Eu, pelo menos, acredito que ainda nos falta a ideia de coletividade, para podermos dizer que formamos, de fato, uma comunidade. Me chame de idealista, mas eu ainda acredito em possibilidades quase anárquicas (no sentido de rompimento com verticalização), para rompermos com esse discurso de “pessoas importantes do meio”. Esse viés é perigoso, ainda mais, quando estamos cada vez mais algoritmizando nossas relações no meio. Ser visto como autoridade é ter, realmente, maior número de seguidores? Ser mais compartilhado? Ter maior destaque pelos seus pares? É isso mesmo que temos como valor aqui? Será que deveria ser esse o valor?

Isso não significa não reconhecer aqueles que contribuam para o crescimento da comunidade. Mas que essa seja uma jornada de fortalecimento do todo, e não uma visão extremamente individualizada – e eu tenho visto muito mais a segunda parte, pelo menos no ano de 2021 foi assim.

Nós estamos nos preocupando mais com audiência ou com princípios?

“Isso não gera like, não gera audiência”. Estamos nos preocupando mais com sermos vistos ou sermos honestos com o que acreditamos?

E aqui faço até uma autocrítica. A Luciana que começou essa trajetória há muitos anos teria um pouco de repulsa por muitos caminhos traçados até aqui. Muito por agir no fluxo e não refletir sobre o que estava fazendo ou deixando de fazer.

Mas ainda assim, tenho uma tranquilidade: eu fui honesta comigo mesma em todo o processo. E fui honesta em cada vírgula do que falei, incluindo, os relatos pessoais. Não tenho medo nenhum de admitir cada erro nessa trajetória e em 2021 não seria diferente.

Dentro disso, 2021 foi o ano que os algoritmos dançaram lindamente com a nossa cara. A TikTokização dos conteúdos. A guerra pela audiência. O “troca-troca” de compartilhamentos passou a valer mais do que aquilo que você acredita. “Fulano de tal não apoia, porque não compartilhou tal post, não me divulga mais”. Se tem alguma coisa ali que você discorda, deveria endossar, fingindo que concorda por uma pseudo-amizade?

Ainda em 2021 vi muita gente fazendo o famoso “apud”. Esse é um recurso que a gente usa no meio acadêmico para citar uma pessoa por meio do trabalho de um terceiro. Por exemplo, eu poderia citar Huizinga, como fiz na época da série “Jogo Lúdico chamado BDSM”, por meio do trabalho de uma terceira pessoa (não foi o caso, é um exemplo). Isso significa que eu não li o Huizinga no original, mas que eu estou lendo por um recorte, uma interpretação de outra pessoa.

O apud costuma ser meio “o filho feio” da academia por um motivo: a partir do momento que eu acesso um recorte, eu não posso dizer que aquele recorte é, de fato, condizente com toda a obra. Eu não tive acesso a ela, eu não conheceria toda a base que Huizinga está trazendo para o debate: de onde aquela questão veio e para qual ponto ela vai.

Mas existe uma coisa muito legal na academia: se você é um pesquisador honesto, você referencia o apud. Você é honesto com seu leitor ao dizer que não acessou a obra no original. Pelo like, pela visualização, vi muita gente que, definitivamente, estava fazendo apud e de forma desonesta. Eu ainda torço para que esse tipo de prática seja identificado e repudiado nos produtores de conteúdo como é na academia.

Também vi muita gente traindo aquilo que batia no peito para dizer que era valor, pelo like, pra surfar na onda de alguma modinha nova que estava passando no meio. Assim como vi muita gente defender causa que, no fundo, não segue ela não. Por exemplo, gente que defende aftercare e a necessidade dos cuidados a médio prazo após sessão bater no peito para criticar outras pessoas, mas ser o primeiro que caga pra bottom. E aí, estamos sendo honestos com nossos valores ou queremos ser santos a fim de sermos mais ‘aceitáveis’ em redes algoritmizadas?

Sabemos estabelecer diálogos?

Em alguns determinados momentos de 2021 eu tive burnout do BDSM. Não nas sessões, muito pelo contrário, mas sobre discutir com membros da comunidade sobre questões que não deveriam

As vezes acredito que a gente deveria entender que discutir BDSM é mais debates filosóficos do que acreditar que há uma certeza, uma verdade única, que chegaremos um dia a um eventual consenso sobre questões do meio. E aqui eu com certeza vou tomar algumas porradas no futuro, mas, né?

É claro que temos questões basilares que não tem como fugir. Por exemplo, a história do SSC é um fato. Ele tem data, tem marco histórico, tem contexto. Como diria a queridíssima Rita Von Hunty, é importante sempre nos perguntarmos “que horas são?”, e tem questões que estão bem localizadas no tempo e espaço e podemos olhar para elas e compreender as razões pelas quais algumas coisas aconteceram tal como aconteceram.

Mas, ao mesmo tempo, as vezes não conseguimos deixar claro, nas discussões, de qual “linha filosófica” estamos partindo. De qual ponto de vista estamos saindo para falarmos sobre alguns pontos. E, para isso, vou dar um exemplo dentro da própria filosofia.

Um tema recorrente é “amor”. Afinal, o que é o amor? Se você olhar por uma perspectiva Platônica, teremos uma resposta. Para Aristóteles, outra. Para Schopenhaur, outra. Uma das minhas preferidas, talvez, seja a de Spinoza: ela é uma resistência à servidão, conduzindo o ser à liberdade e como ele é capaz de elevar a nossa potência (ainda que discorde que a mais sublime forma de amor seria o amor a Deus). Nietzche vai trazer o conceito de amor fati. E não nos faltam discussões sobre isso.

Temos um conceito “certo” e “errado” de amor na filosofia? Não, temos correntes filosóficas. Cada uma conceituará esse afeto de acordo com a sua base. E tá tudo bem. Desde que você deixe claro, desde o princípio, de qual ponto está partindo e seja honesto com seu interlocutor. Ou, mais uma vez, são só ecos batendo entre si.

Ainda poderia listar muitos outros, como as fofocas, a falta de lealdade, a falta de parceria no sentido real da palavra, os machismos, mas uma coisa eu aprendi, também, com 2021: o BDSM não custa a minha saúde mental e esses pontos me custaram muito isso ao longo do ano.

Eu espero que 2022 possamos avançar nessas questões. E que tenhamos outros erros para nos debruçarmos e melhorarmos, do que continuar repetindo velhos hábitos nocivos.

E você, o que aprendeu com o meio em 2021? Compartilhe sua experiência! 🙂

AUTORA

HACKING SEX

Nascido de uma ideia de mudar o sistema por dentro, aproveitando as brechas de vulnerabilidade para repensarmos e fortalecermos as concepções sobre (a)sexualidade(s), em constante (des)(re)construção, feito de forma coletiva. Construindo uma comunidade com o fortalecimento de todos os membros, abrindo espaços para trocas colaborativas de ideias, para que todos possamos crescer juntos no processo.

Instagram  – https://www.instagram.com/hackingsex/

Medium  –  https://hackingsex.medium.com/

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Curious Cathttps://curiouscat.qa/hackingsex1

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1 comment

  1. morroi 24 dezembro, 2021 at 09:18 Reply

    Eu ainda me considero um bebê dentro do BDSM, embora estude bastante a respeito e esteja sempre buscando novas informações. Na prática, sinto que a pandemia atrapalhou demais os planos de muitos de nós em todas as esferas – e no BDSM não seria diferente. Nos últimos meses tenho conseguido mais contato com pessoas bastante interessantes e que têm me ensinado muito, mas percebo que há muita fragmentação ainda, com alguns egos muito inflados – não a maioria, obviamente, mas todo dia é possível ver alguém trocando farpas nas redes sociais. Claro, assim é o mundo e eu não tenho a ilusão de que seria diferente, mas quando falamos de uma “subcultura” – com o perdão da expressão, mas um grupo tão restrito dentro de uma minoria – eu acredito que seria mais interessante que as pessoas se unissem para trocar experiências. Pode parecer muito clichê o que vou dizer, mas a vida passa rápido demais! Se nos perdermos em vaidades deixamos de desfrutar aquilo que realmente nos faz feliz…
    E, com todo o respeito a quem pensa diferente, eu sou ateu. Ou seja, pra mim, a vida é esta aqui, e uma hora acaba, não espero nada além do que vivemos atualmente. Não quero me arrepender de não ter experimentado aquilo que eu tive vontade. Desde que haja respeito ao próximo, ética e consensualidade, tudo está valendo!

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