EU GOSTO

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Autor: Willian L. Canedo

A primeira chicotada chegou fazendo um barulho estridente, trazendo uma onda de sensações intensas. Dor e prazer se misturaram naquele primeiro golpe, o ardor se espalhando em formigamentos e, por mais que não pudesse ver, tinha a certeza de que já havia deixado uma marca vermelha e áspera no tom claro da pele de suas costas. Era como uma explosão em seu sistema nervoso, fazendo seus músculos se contraírem de imediato, seguido de um primeiro e automático impulso de recolha, fazendo-o querer fugir. Seu corpo então cedeu ao prazer que se espalhou dois microssegundos após o ardor e refreou o impulso de fuga, transformou-o quase de forma automática em um gemido exalado. Quis pedir mais.

Suas palavras não foram mais rápidas do que o barulho do couro, cortando o ar, e a mão do Mestre que, antes mesmo de qualquer pedido, já aplicava uma segunda chicotada. Sua pele, agora já levemente acostumada ao ardor do impacto, ao invés de recolher-se, apenas deixou o arrepio intenso dominar cada poro aberto. O gemido dessa vez veio mais alto, com um timbre que denunciava a excitação crescente que tomava conta do seu corpo. Conseguiu ouvir a risada abafada do Mestre, ao mesmo tempo longe e ecoando em seus ouvidos, em sua cabeça, reverberando em seu interior. O som grave da risada causou outro arrepio, percorrendo todo o seu corpo, de dentro para fora. Naquele momento sabia que estava entregue, em transe.

Terceiro golpe. Conseguiu sentir cada uma das nove tiras de couro tocando as costas lisas, a pele se crispando em ardência onde cada tira marcava uma linha vermelha, ressaltando a brancura de seu dorso. O arrepio e o eriçar agora se espalhavam mais rápido, do lugar onde recebera o golpe até a extremidade de cada membro; sentiu o impulso elétrico da dor chegar aos pulsos algemados e aos tornozelos presos com firmeza pela corda de juta em nós elaborados. “Certeza de que não está muito apertado?” a lembrança da voz de seu Mestre, momentos atrás, agora viva e ressonante em sua mente. Não, não estava. Não, não, não, era o que queria gritar a plenos pulmões. Tudo o que conseguiu foi gemer longamente, deixando a eletricidade tomar conta de ser corpo.

Respirou fundo, inalando o cheiro condimentado da fumaça do charuto Cohiba que agora inundava o espaço. Se pudesse, veria que estava cercado por uma nuvem esbranquiçada vinda da boca de seu Mestre. Respirou mais uma vez, se deixando queimar os sentidos por aquele cheiro. Aquele cheiro, aquela sensação, quase sufocante, quase incômodo, mas totalmente inebriante, “Vai lá pra fora pra fumar!”, a voz da sua mãe invadia a sala, o grito vindo da cozinha, enquanto seu pai levantava preguiçosamente respondendo um “Tá bem” meio arrastado, o hálito de cachaça se espalhando no ar enquanto o jornal era assistido do sofá da sala já enfumaçada. O mesmo hálito de cachaça que lhe dizia “agora vai pro seu quarto e dorme”. Um hálito bem diferente daquele de uísque amadeirado que agora perguntava “Gostando?” ao pé do seu ouvido em um tom grave e excitante.

“Sim”, quis responder, mas tudo o que a mordaça metálica o permitia emitir eram gemidos e grunhidos indistinguíveis daqueles que um animal acuado faria. Assentiu vigorosamente, deixando seu Mestre saber o prazer que sentia naquele estado em que se encontrava, totalmente entregue e disposto a satisfazer os desejos daquele que o dominava. “Eu sei que está”, ecoou novamente a voz do seu Mestre em seus ouvidos, logo antes de sentir mais uma baforada do charuto. Se pudesse ver, olharia para um sorriso de canto de boca, quase mostrando os dentes, fazendo os lábios franzirem e o desenho da barba formar uma expressão de intenso desejo sádico por admirar a dor do outro.

O chicote cortou o ar novamente, e outra vez suas costas queimaram junto com o tesão que deixava seu membro agora em riste. Quarto e quinto golpes se seguiram; o Mestre agora açoitava suas espáduas, flancos e lombar em movimentos ritmados, com menos e menos intervalo entre as ondas de dor, ardor e furor que invadiam seu corpo em cada pancada. A ardência se acentuava onde o couro bovino do chicote encontrava o seu, fazendo estalos altos e arrancando gemidos, grunhidos, prazer em forma de sons que enchiam o ambiente em uma melodia que fazia o Mestre rir mais alto: mais uma contribuição à sinfonia. Em pouco tempo de atividade intensa, as lágrimas começavam a verter de seus olhos, amparadas pela venda que o deixava em um escuro profundo.

“Você adora apanhar, não é?”. O escuro fazia sua audição mais aguçada e aquela voz grave enchia sua mente. “Eu sei que você gosta de sentir…” e mais uma vez o chicote riscou em suas costas vergões vermelhos que latejaram na mesma intensidade que seu pau “…um macho te batendo”. Aquela voz profunda era tudo o que importava, assim como o hálito forte de uísque e o cheiro da fumaça rodopiando no ar. “Um macho de verdade…” e sentiu mais um golpe nas costas enquanto sua mente rodopiava junto com a fumaça e o cheiro de álcool. “Vai aprender a ser macho de verdade” soava alto a voz dominante enquanto outro golpe de cinto marcava suas costas. “Isso vai te ensinar a virar homem” o pai gritava no quarto cheirando a cigarro barato enquanto mais e mais fundo o cinto tatuava sua pele em um misto de dor e repulsa. Repulsa ao próprio tesão que crescia a cada açoitada, a cada marca que o chicote do Mestre deixava em seu lombo, ferindo sua carne e inundando seus sentidos enquanto o cheiro de cachaça e o a voz do pai iam afundando num vazio que o deixava tão excitado e faziam-no gemer mais e mais alto com cada golpe e a cada novo choque eletrificando seu corpo e endurecendo seu pau, todo o corpo se contorcendo como a fumaça condimentada do charuto, até sentir seus músculos se contraindo por completo em um intenso e explosivo orgasmo. E tudo ficou cinza.

O chicote de um Mestre cava fundo. Na pele, no corpo, na alma.

AUTOR

Willian L. Canedo

Autor tocantinense e pesquisador na área de análise do discurso e sexualidades, sempre demonstrou interesse pela literatura. Já publicou contos e crônicas em publicações diversas. Seus escritos, além da temática fetichista, também abordam questões sociais e psicológicas que atravessam a sexualidade.

YES, SIR

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1 comment

  1. HG 30 agosto, 2022 at 16:48 Reply

    Delicado e ao mesmo tempo ardente. Parabéns por saber construir a tensão e deixar o leitor ansioso por ler mais.

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