O QUE É PARAFILIA E FETICHISMO?

PARAFILIA

Os manuais definem “parafilia” (do grego παρά, para, “fora de”, e φιλία, philia, “amor”). De acordo com as ciências biomédicas, “parafilia” foi o termo cunhado na década de 1920 pelo psicanalista alemão Wilhelm Stekel (1868 – 1940) e posteriormente mais difundido pelo psicólogo norte-americano John Money (1921-2006). Antes, o conceito era conhecido com o nome de “perversão sexual”.

A prática parafílica é considerada pelas ciências biomédicas um padrão de comportamento no qual, em geral, a fonte predominante de prazer não se encontra na cópula genital pênis-vagina, mas sim em alguma outra atividade, como por exemplo, os fetiches. É um padrão de comportamento sexual no qual, em geral, a fonte predominante de prazer não se encontra na cópula, mas em alguma outra atividade.

São considerados também parafilias os padrões de comportamento em que o desvio se dá não no ato, mas no objeto do desejo sexual. Certas práticas, como por exemplo, a homossexualidade ou até mesmo os sexo oral, anal e a masturbação, já foram consideradas parafilias justamente por não visarem à penetração pênis-vagina.

Atualmente, essas práticas são consideradas variações normais e aceitáveis do comportamento sexual.

FETICHE

Fetiche é definido como uma espécie de obsessão por algum objeto, vestimenta, ritual, situação, pessoa ou parte do corpo de uma pessoa (parcialismo). Ou seja, uma atração ou fixação incontrolável que dá origem a um prazer intenso.

A palavra fetiche originada do francês fétiche, que por sua vez é um empréstimo do português feitiço cuja origem vem do latim facticius “artificial, fictício”, é um objeto material ao qual se atribuem poderes mágicos ou sobrenaturais, positivos ou negativos.

Inicialmente este conceito foi usado pelos portugueses para referir-se aos objetos empregados nos cultos religiosos dos negros da África Ocidental. O termo tornou-se conhecido na Europa por meio do erudito francês Charles de Brosses (1709 – 1777) em 1760.

Em sociologia e economia, o conceito de “fetichismo da mercadoria” foi cunhado pelo filósofo alemão Karl Marx (1818- 1883) na obra “O Capital” de 1867. Estando diretamente ligado a outro conceito, o de “alienação”, do latim “alienus”, que significa “de fora”, “pertencente a outro”. Karl Max, em sua obra “Manuscritos econômico-filosóficos”, de 1844, utilizou a palavra “alienação” para designar o estranhamento do trabalhador com o produto do seu trabalho, ou seja, o trabalhador não mais dominando todas as etapas de fabricação e não possuindo os meios de produção para tal, acaba não se reconhecendo no produto produzido, passando o produto a não ser visto como ligado ao seu trabalho. É como se o produto tivesse surgido independente do homem/produtor, como uma espécie de feitiço, daí o termo utilizado por Max: fetichismo da mercadoria. Nesse sentido, o produto perde a relação com o produtor e parece ganhar vida própria. Passa a ser compreendido como algo “de fora” do trabalhador, ficando esse “alienado” em relação ao produto. Assim, o “Fetichismo da Mercadoria” caracteriza-se pelo fato das mercadorias, dentro do sistema capitalista, ocultarem as relações sociais de exploração do trabalho.

Voltando aos aspectos sexuais do termo, a prevalência do fetichismo não é conhecida com certeza. A maioria dos fetichistas é masculina. Em um estudo de 2011, 30% dos homens relataram fantasias fetichistas e 24,5% se envolveram em atos fetichistas. Dos que relatam fantasias, 45% disseram que o fetiche era intenso. Em um estudo de 2014, 26,3% das mulheres e 27,8% dos homens reconheceram ter qualquer fantasia em relação a “fazer sexo com algum objeto de fetiche ou não sexual”. Uma análise de conteúdo das fantasias favoritas da amostra revelou que 14% das fantasias masculinas envolviam fetichismo (incluindo pés, objetos não sexuais e roupas específicas) e 4,7% focavam em uma parte do corpo específica diferente de pés. Nenhuma das fantasias favoritas das mulheres tinha temas fetichistas. Outro estudo descobriu que 28% dos homens e 11% das mulheres relataram excitação fetichista (incluindo pés, tecidos e objetos “como sapatos, luvas ou brinquedos de pelúcia”).

O fetichismo, na medida em que se torna um distúrbio, parece ser raro. Menos de 1% dos pacientes psiquiátricos em geral, apresentam o fetichismo como seu problema primário. Também é incomum em populações forenses. A psiquiatria considera um distúrbio. Quando a presença do fetiche é o único requisito para o sujeito atingir o orgasmo.

DE ONDE VEM OS FETICHES?

Alguns teóricos da psicologia comportamental dizem que o fetiche pode se formar, pois há um pareamento de estímulos. Ou seja, há determinada excitação sexual na presença de certo fetiche, por exemplo, objetos, vestimentas, partes do corpo, formas, sensações, situações, odores, sons, etc. Teóricos da psicanálise dizem que os fetiches estão relacionados aos traumas infantis e complexos inconscientes do funcionamento psiquíco que não foram bem resolvidos.

Não há um consenso, cada vertente explicou de uma forma. Por ter sido considerado anormal, causas foram procuradas para explicar tais formas de práticas sexuais. Há também um elemento de excitação nos fetiches: ser considerado anormal, proibido e diferente.

Nos fetiches não é o estímulo em si que excita. O que excita é o que aquilo representa para o sujeito. Muitas vezes esse significado vem do social e compõe com a dinâmica psíquica do indivíduo. Por exemplo, roupa de couro pode ser associada à masculinidade, autoridade, firmeza, proteção, disicplina, etc. Pelos podem ser associados à virilidade, rusticidade, força, etc. Práticas BSDM epodem estar relacionadas ao domínio, sadismo, masoquismo, controle, submissão, proteção, cuidado, intensificação de prazeres, etc.

Quando a Europa era predominantemente rural, quem controlava e ditava o que era certo ou errado era basicamente a Igreja. Por causa do mercantilismo e revolução industrial, houve grande processo de urbanização. Uma das formas de organizar e comandar a população dos centros urbanos era por meio do comportamento sexual. A esta altura, a ciência também passa a realizar esta tarefa juntamente com a religião e sistema judiciário. Os conhecimentos ditos científicos se estabelecem como sendo a verdade e o poder sobre a vida dos indivíduos. No século XIX, houve um número crescente de publicações de médicos que estavam preocupados com a relação entre o que era considerado comportamento sexual anormal, condições anormais na esfera genital e transtornos psiquiátricos.

Em 1886, o médico e sexólogo alemão Richard von Krafft-Ebing (1840-1902) publicou sua obra clássica Psychopathia Sexualis (Psicopatias Sexuais). Nela, ele descreve 238 estudos de casos e os classifica da seguinte forma:

I- RELAÇÃO DAS NEUROSES SEXUAIS

I – Periféricas

1. Sensoriais

(a) Anestesia (ausência de instinto sexual);

(b) hiperestesia (desejo acentuado, satiríase);

(c) Nevralgia (dor decorrente de irritação ou danos ao nervo).

2. Secretórias

(a) Aspermia (ausência total de ejaculação);

(b) Polispermia (abundância de esperma).

3. Motoras

(a) Espasmos (contração involuntária dos músculos);

(b) Espermatorréia (saída involuntária do esperma).

II- NEUROSES ESPINHAS

1. Afecções do centro de ereção

(a) Irritação (priapismo: ereção peniana dolorosa, independente de desejo sexual, durante um período superior a duas horas, sem levar à ejaculação, causada por insuficiência de drenagem do sangue que enche os corpos cavernosos) decorrente da ação reflexa de irritantes sensoriais, por exemplo, gonorréia.

(b) Paralisia decorrente da destruição do centro, ou do dos tratos nervosos.

(c) Inibição: o centro de ereção pode tornar-se incapaz de funcionar por influência cerebral.

(d) Debilidade irritável onde existe uma impressionabilidade anormal do centro

2. Afecções do centro da ejaculação

(a) Ejaculação anormalmente fácil por ausência de inibição cerebral.

(b) Ejaculação anormalmente difícil causada pela inexcitabilidade do centro.

III- NEUROSES CEREBRAIS

(1) Paradoxia é a excitação que ocorre independentemente do período dos processos fisiológicos dos órgãos de reprodução

(2) Anestesia é a ausência de instinto sexual

(3) Hiperestesia é o desejo sexual acentuado (libido anormalmente intensa, luxúria, lascívia). É chamada de satiríase no homem e ninfomania na mulher.

(4) Paraestesia é a perversão do instinto sexual. Excitabilidade das funções sexuais por estímulos inadequados. Foi dividida em quatro aspectos:

A – SADISMO é sentir prazer em causar dor durante o ato sexual

B – MASOQUISMO é sentir prazer ao sofrer dor durante o ato sexual.

C – FETICHISMO – é investir sensações voluptuosas às representações imaginárias, exclusivamente em objetos, partes do corpo, peças do vestuário e situações que não necessitam necessariamente do coito para obtenção do orgasmo. No entanto, é preciso que haja o objeto de fetiche para que se atinja o orgasmo.

D – SEXUALIDADE – antipática é a ausência de sentimento sexual em relação ao sexo oposto. Toda a sexualidade se concentra no seu próprio sexo. Somente os atributos físicos e psíquicos das pessoas do mesmo sexo exercem um efeito afrodisíaco e despertam o desejo de união sexual. É uma anomalia puramente psíquica, pois o instinto sexual não corresponde de alguma forma às características sexuais físicas primárias e secundárias. Apesar do tipo sexual plenamente diferenciado, e das glândulas sexuais apresentarem atividade e desenvolvimento normais, o homem é atraído sexualmente por outro homem porque tem, conscientemente ou não, um instinto feminino em relação a ele, ou o inverso.

Tal categorização influenciou por muito tempo aquilo que é considerado patologia na esfera sexual. Conforme disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), é preciso perguntar a quem interessa considerar isso ou aquilo verdade? Toda construção da verdade é baseada em determinada conveniência, interesse econômico e social. Vimos no texto: Por que os fetiches sexuais são considerados anormais pela ciência? Disponível em:https://dombarbudo.com/guia/o-que-e-bdsm/fetiches-sexuais/ que a normalidade em relação ao sexo foi relacionada às práticas que somente poderiam resultar em fecundação e procriação. Qualquer prática que não fosse o pênis penetrando uma vagina, com o objetivo de gerar descendência, era considerado doença. Dessa forma, o que estava envolvido no sexo, formas de realizá-lo, práticas envolvidas, frequência, intensidade e objetivo foram analisados e baseados em padrões religiosos, legais e médicos.

O psicólogo e sexólogo norueguês Odd Reiersøl, no texto “SM: Causas e diagnósticos”, disponível em:https://revisef65.net/2015/10/11/sm-causas-e-diagnosticos-portuguese/ argumenta pela abolição do diagnóstico de fetichismo, sadismo e masoquismo da Classificação Internacional de Doenças. Ou seja, para ele toda prática sexual que envolve adultos humanos e vivos é normal. E por que é preciso ser adulto humano e vivo? Pois, a pedofilia, zoofilia e necrofilia infringem na liberdade do outro que não é adulto humano e vivo.

É importante também que tal prática sexual entre adultos humanos e vivos ocorra com o livre consentimento entre os participantes. Isto diz respeito à prevenção contra atos de estupro, assédio e violência sexual. Um dos requisitos principais para as práticas de BDSM, por exemplo, é que haja o livre consentimento das práticas entre os envolvidos.

O assunto é polêmico, os códigos médicos foram muito influenciados pelas tradições, religiões e sistema jurídico. Leva certo tempo para as pessoas se livrarem de preconceitos fundamentados ao longo da história.

Atualmente, a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) diz que:“uma parafilia que está atualmente causando sofrimento ou prejuízo ao indivíduo ou a uma parafilia cuja satisfação acarretou dano pessoal ou risco de dano a outros” pode ser considerada patológica. Muito ainda precisa ser debatido e esclarecido.

Conto com a ajuda de vocês. Continuem mandando suas dúvidas e obrigado pela atenção. Abraços e até a próxima coluna.

Bibliografia consultada:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Quinta edição. Porto Alegre: Artmed, 2014

ANTUNES, P. P. Homofobia internalizada: o preconceito do homossexual contra si mesmo. São Paulo: Annablume, 2017

DARCANGELO, S. (2008). “Fetishism: Psychopathology and Theory”. In Laws, D. R.; O’Donohue, W. T. Sexual Deviance: Theory, Assessment, and Treatment, 2nd edition. The Guilford Press. p. 110.

FOUCAULT, M. História da sexualidade I – a vontade de saber. São Paulo: Graal Editora, 1993

História da sexualidade II – o uso dos prazeres. São Paulo: Graal Editora, 1998

História da sexualidade III – o cuidado de si. São Paulo: Graal Editora, 2003

KRAFFT-EBING, R. Psychopathia Sexualis. São Paulo: Martins Fontes, 2001

“E aqueles que foram vistos dançando, foram julgados loucos por aqueles que não ouviam a música”

Friedrich Nietzsche (1844-1900)

SOBRE O AUTOR:

Pedro Paulo Sammarco Antunes
Doutorado em Psicologia Social pela PUC-SP

Sexólogo, psicólogo clínico e social, autor dos seguintes livros: “Travestis envelhecem?” e “Homofobia internalizada: o preconceito do homossexual contra si mesmo”, ambos publicados pela editora Annablume.

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