COM A PALAVRA – MARGOT

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Apresento-lhe uma das Mulheres que faz parte do time de homenageadas deste ano do Dia da Mulher 2021.

E com a palavra, 

Quem é você mulher? Defina-se!

Sempre que eu me deparo com essa pergunta, eu travo porque é uma pergunta que qualquer resposta resulta em associar mulher a algum estereótipo feminio… Seja o de virgem pura, o de puta depravada, o de mulher forte, guerreira, dona de si, resiliente, de mulher elegante, delicada, gentil etc. Pessoalmente, eu nunca me penso enquanto mulher porque, de uma forma ou outra, me entender a partir de mulher me inscreveria dentro de algum arquétipo que jamais daria conta de me descrever.

A necessidade das mulheres de se pensarem como mulheres e de sempre precisarem explicar o que é ser mulher, enquanto homem algum precisa se pensar como homem e o que implica em ser homem, demonstra muito como as relações de gênero são estabelecidas. O homem é o marco zero do mundo, todo mundo sabe o que é ser homem… ninguém precisa definir. A mulher, por sua vez, é o outro que precisa ser explicado, definido, constantemente relembrado da sua condição, da sua diferença.

Você acredita que as mulheres se dão bem com seus fetiches? E você? Se dá bem com os seus?

Eu acho complicado falar por mulheres em geral… O percurso de se dar bem com seus fetiches é muito individual e eu acredito que seja um caminho muito diferente de ser mulher ‘livre’ sexualmente. Existe uma licença social para que uma mulher possa se livrar dos tabus de ter muitos parceiros sexuais ao longo da vida, de gostar de transar, de gostar de fazer oral/anal, de comprar vibrador, de falar sobre sexo abertamente, de ter agência do próprio prazer.

No entanto, quando se trata de fetiches e, especialmente, de BDSM, as coisas se complicam porque essa dita liberdade sexual concedida socialmente tem limite. É essa conceção que cria a grande dúvida “eu sou feminista e gosto de BDSM, e agora?” porque ela serve a cisheteronormatividade e a branquitude. Ela não tem interesse em quebrar paradigmas de fato, apenas concede algumas licenças para um grupo seleto de mulheres (cis, hétero, brancas e de classe média…) Os principais ideais feministas que circulam por aí criam atrito entre fetiches/BDSM e liberdade sexual. Você é livre sexualmente, desde que não curta rape play, não goste de se submeter, não tenha interesse em age play, não trabalhe com prostituição ou dominação profissional… Esse é o grande impasse para que mulheres entendam melhor seus fetiches, mas a resolução desse impasse se dá em um nível muito pessoal, quando se entende que existe limite entre o individual e o social. Socialmente, pode-se condenar e combater toda e qualquer forma de violência sexual e, indivualmente, gostar de rape play por diversos motivos que cabe apenas a quem pratica, sem que essas duas sejam vistas como incompativeis.

Qual seu maior fetiche ou desejo?

Eu não gosto de responder essa pergunta publicamente por motivos pessoais, mas a configuração de fábrica já vem com o kit básico de bondage, disciplina, submissão e masoquismo.

Até onde você iria para viver de forma saudável a sua liberdade de expressão sexual?
Para mim, o limite de viver nossa liberdade de expressão sexual de forma saudável é a consensualidade. Eu me permitiria experienciar tudo que eu tivesse curiosidade/vontade, desde que todos os envolvidos estejam de acordo e cientes de suas responsabilidades e dos riscos.

Simone de Beauvoir disse que não se nasce mulher, mas sim que a pessoa se torna mulher. O que isso fala sobre você?

Quando a Simone de Beauvoir fala sobre se tornar mulher, ela se refere a questões sociais que ensinam mulheres a adotarem comportamentos ditos como comportamentos femininos. Essa frase surge em um contexto que questiona a necessidade de definir e de saber explicar o que é ser mulher porque é a partir disso que somos presas a nossa condição de mulher. Definir mulher prevê que exista algo essencialmente feminino.

Pensando a frase no contexto do BDSM, em que existe bastante liberdade para se brincar com scripts sociais, se tornar mulher à luz do BDSM significa bagunçar com tudo aquilo que nos é imposto quando nascemos… Me tornar mulher no BDSM é a possibilidade de deixar de sê-lo.

Brené Brown disse que “é preciso coragem para ser imperfeita. Aceitar e abraçar as nossas fraquezas e amá-las. E deixar de lado a imagem da pessoa que devia ser, para aceitar a pessoa que realmente sou.”
Como foi para você essa jornada de descoberta?

Minha jornada de descoberta não dá uma história interessante porque foi a mais linear o possível kkkkk. Enquanto leitora, eu fui entender meu tesão através da Literatura. Um dos livros que marcou minha descoberta foi “Nove semanas e meia de amor”… Com esse livro, eu consegui compreender muita coisa do que eu desejava sexualmente.

Esse livro entrou na minha vida por volta dos meus 14, 15 anos… mas antes disso, eu já tinha consciência dos meus desejos. Felizmente, eu nunca tive problemas em me aceitar ou me descobrir, e o crédito disso vai para as aulas de Educação Sexual.

Nas escolas que frequentei durante minha infância e adolescência, eu sempre tive aulas de Educação Sexual e eu tenho muita ciência da importância desse conteúdo nas grades curriculares. Pessoalmente, eu acho que seria verdadeiramente importante que levantássemos essa pauta política com mais frequência.

PARA AS BDSMer,,, continua…

 Você acha que a mulher tem um _papel social_ a cumprir dentro do BDSM?

Acho que da mesma forma que homens não têm papel social a cumprir no BDSM, nenhuma mulher tem papel a cumprir na nossa comunidade. Eu acredito na importância da união dos praticantes porque permite que se crie redes de segurança. No entanto, não acredito que exista responsabilidade implicada em gênero ou posição… A responsabilidade recai naqueles que têm interesse e disposição em assumir um papel educacional e que se propõem a criar conteúdo e a mentorar outros praticantes.

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