COM A PALAVRA – LU RODRIGUES – HACKING SEX

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Apresento-lhe uma das Mulheres que faz parte do time de homenageadas deste ano do Dia da Mulher 2021.

E com a palavra, LU RODRIGUES – HACKING SEX

Quem é você mulher? Defina-se!

É uma definição difícil. Toda mulher carrega consigo as mulheres que a antecederam, e não só com os laços sanguíneos. Carrega consigo todas aquelas que lutaram para que hoje possamos ter a liberdade, até, de estar aqui hoje falando sobre as nossas sexualidades, bem como todas aquelas que sofreram com as interdições que o patriarcado promove. Então definir quem sou “eu”, mulher, é difícil, porque não vejo isso como algo individual. Vejo “ser mulher” como algo coletivo, ainda mais em tempos tão conservadores e inseguros para nós. “Eu” não sou mulher. Não é sobre mim, sozinha, mais. Tem muito em jogo nisso.

Você acredita que as mulheres se dão bem com seus fetiches? E você? Se dá bem com os seus?

Acho que de modo geral, as mulheres passam por uma série de problemas sobre seus fetiches. A visão da mulher “casta” e “pura”, que só é vista como “de valor” se ela segue a “sexualidade padrão”. A visão de que a mulher mãe perde sua libido e desejo. O medo de que, ao experenciar seus fetiches e sua liberdade sexual, sofra com abusos e violências. Então assim, na trajetória para vivenciar essas experiências, nós passamos por uma série de armadilhas e obstáculos no caminho e, muitas vezes, torna-se mais “confortável” (não menos sofrido) “calar” nossos desejos.
Sobre meus fetiches e desejos, foi um forte processo de aceitação ao longo do tempo, mas ainda muito privilegiado. Tive sorte de ter uma mulher de mente aberta e que também lutou pela sua própria liberdade como mulher, então foi menos doloroso “me entender” nesse processo. Mas é claro que ainda há muitos valores morais sociais que, as vezes, me afetam sim. E em coisas simples. Por exemplo, já tive amigas, bem desconstruídas, que diziam que a minha falta de relacionamentos afetivos vinha porque eu me permitia transar no primeiro encontro, se eu quisesse, e jamais alguém se envolveria emocionalmente com alguém assim. Ao longo do tempo, ouvir isso, causa uns questionamentos sim, mas aí a gente racionaliza e entende o que está por trás desse discurso (e toda a questão estrutural social ali presente). Desconstruir a visão moral sobre os próprios fetiches não é um processo linear (nenhum processo de desconstrução é assim, na verdade), e por isso eu levo o Hacking Sex como um “mote de vida”: eu também passo por todo um processo junto com quem acompanha. Não é só sobre educação sexual, mas é quase uma “terapia coletiva”. rs.

Qual seu maior fetiche ou desejo?

Não consigo valorar um fetiche acima dos demais, porque, pelo menos para mim, são fluxos que vão mudando com o tempo. Tem fetiches que surgem em determinados momentos com maior força e depois outros se sobrepõem. É difícil responder isso! haha. Por exemplo, tem momentos que o estímulo visual mexe muito comigo, tem outros que é irrelevante e eu preciso encontrar outras fontes.

Até onde você iria para viver de forma saudável a sua liberdade de expressão sexual?

Sendo sincera, é difícil definir isso, por questões de vivência pessoal. Eu fui vítima de violência física (há exatamente um ano) devido a isso, por simplesmente dizer “não” a um convite para ir para um motel. Isso me fez repensar muito sobre os meus limites para vivenciar a minha sexualidade de forma saudável, porque tem variáveis externas que a gente consegue filtrar, minimizar, mas não controlar 100%. Mas tenho alguns parâmetros, que é sempre priorizar situações em que posso exercer um consentimento ativo e garantindo minha integridade física e mental no processo.
Criar o Hacking, também, foi uma das formas de viver de forma saudável a minha liberdade de expressão sexual, no nível da linguagem. De poder falar sobre sexualidade com menos tabus, melindres, de podermos falar tranquilamente sobre nossos desejos, afetos e informações sobre.
Acho que o mais longe que já cheguei sobre isso, anedoticamente falando, foi falar sobre a fisiologia do vício em pornografia na entrevista de doutorado para defender um ponto levantado pelos membros da banca, como se estivesse falando de qualquer outro ponto científico relacionado com fisiologia, com seriedade e naturalidade. Ali eu passei a entender que eu estava compreendendo a sexualidade como algo muito mais natural do que via, por exemplo, há 2, 3 anos, ou teria me sentido inibida de utilizar esse exemplo, com medo do julgamento da banca (composta por 2 homens mais velhos).

Simone de Beauvoir disse que não se nasce mulher, mas sim que a pessoa se torna mulher. O que isso fala sobre você?

Eu tenho para mim que “ser mulher” é uma construção social, sim, tal como a concepção de masculinidade, por exemplo. Então eu entendo que a mulher que eu sou e que me torno todos os dias (já que isso não é um processo concretizado, né? Estamos nos tornando mulher todos os dias, é um devir), e é sempre estar atenta para identificar as forças que estão atuando sobre a mulher que sou e que quero ser. Tem a força do patriarcado, do conservadorismo, do fascismo que tem ganhado força atualmente que faz seus jogos para impor uma “outra forma aceitável socialmente” de ser mulher. A mulher que busco me tornar é sempre ser genuinamente subversiva, ser resistência, fazer força contrária a essas forças que, na verdade, me sequestram das potencialidades de ser mulher.
Acho que tem muito disso também. Eu luto para que “me tornar mulher” seja por meio da vontade de potência, oferecendo resistência a vontade de poder que é exercido em cima de todas nós.

Brené Brown disse que “é preciso coragem para ser imperfeita. Aceitar e abraçar as nossas fraquezas e amá-las. E deixar de lado a imagem da pessoa que devia ser, para aceitar a pessoa que realmente sou.”
Como foi para você essa jornada de descoberta?

Nossa! Que pergunta difícil, porque mexe com meus fantasmas internos! Mas entendo que tem uma espécie de “controle” sobre a mulher que cobra perfeição sobre ela. Isso você vê nitidamente na sociedade, vê, por exemplo, nas diferenças com as quais mulheres e homens são tratados diante das mesmas falhas todos os dias, as proporções que isso toma midiaticamente. E isso potencializa muito se falarmos de interseccionalidade com questões raciais e econômicas.
Mas sobre como foi isso pra mim… De novo, é como tem sido, né? Buscar quebrar a imagem da “mulher perfeita” ou da “mulher forte”, da “mulher que não tem fragilidades” ou que “não depende de ninguém” é um trabalho hercúleo que deve fazer minha terapeuta chorar em posição fetal toda semana!
Como ela mesma diz, para mim é muito fácil acolher e acalentar as imperfeições de outras pessoas, mas eu me bato com chicotes com tachinhas na ponta (com o perdão do trocadilho, mas é essa mesma a metáfora! haha). E é inegável que, para além das questões subjetivas pessoais, da minha história, isso tem um peso social de que “mulher não falha”.
Então eu digo que ainda estou nesse processo. Não é fácil! Nossa, não é mesmo. Mas sempre faço um exercício que acho interessante: deixar uma carta para o “eu do futuro” todo ano. Escrevo no dia 01/01 e leio no dia 31/12. Ali eu sempre tento escrever o que esperava e que acolho todas as falhas que aconteceram. Acho que talvez essa seja uma parte muito difícil para as mulheres de forma geral: se acolherem. Somos educadas a sermos “maternais” (e quebrar isso gera um hate, principalmente dos homens, que nos definem como “ogras” rs), mas nunca termos esse acolhimento com nós mesmas. Isso torna nossas jornadas muito solitárias diante das nossas falhas.

PARA AS BDSMer,,, continua…

1) você acredita que exista desigualdade de gênero no BDSM?

Com certeza! Até mesmo a construção estereotipada “senso comum” das dominatrix/dommes mostra muito isso. Eu não me lembro agora quem exatamente falou sobre isso, imagino que tenha sido a Dommenique Luxor, que há uma construção de “performar uma certa masculinidade” no femdom. Se isso não acontecer, a sua conduta dominadora é questionada! Aí vamos ao questionamento: existe uma “essência dominadora”, que precisa ser exercida, realmente, por meio de uma performance de masculinidade? Daí as vezes nem é a forma como ela gostaria de exercer o seu poder nesse jogo erótico, mas não vai ser respeitada/validada se fizer de forma diferente.
Outro ponto de questionamento: ocorre muito a vinculação da feminilização como uma prática de humilhação/degradação (e aqui não vou entrar em algum questionamento que possa gerar invalidação desse fetiche, porque esse não é o objetivo, nem de longe). Por que não há um “par oposto”? Porque “masculinização” não é degradante/humilhante, por exemplo? Porque socialmente, a masculinidade é visto como virilidade e isso é um “valor positivo”, então, isso enaltece, e não degrada a pessoa. E isso passa para o BDSM, em alguma medida.
Isso a gente precisa entender: apesar de ser subversivo, dissidente, contracultura, o BDSM não está isolado de seu meio social e há forças de poder atuando ali. Então precisamos, sim, refletir sobre isso e entender como isso traz, sim, desigualdades de gênero no meio. Poderia dar diversos outros exemplos sobre como isso ocorre, mas acho que esses dois já evidenciam bem isso.

2) você acha que existe sororidade no BDSM?

Eu acho que nós avançamos muito mais nisso nos últimos anos do que quando eu comecei a estudar sobre BDSM. Ok que naquele tempo, era muito mais difícil encontrar conteúdos, as redes sociais eram diferentes, não tínhamos, por exemplo, a possibilidade dos grupos de Whatsapp, mas a própria valoração da sororidade tomou outra proporção nos últimos anos. Hoje temos eventos focados para bottoms mulheres, para fins de educação, apoio e suporte, e isso é um ponto fundamental, principalmente, para criar uma rede de apoio para elas diante de um meio que ainda é, infelizmente, desigual para elas.

3) você consome conteúdo fetichista *criado e divulgado* por mulheres?

Com o Hacking Sex, eu passei a ter um olhar mais cuidadoso. Hoje eu apoio e admiro mais sim os conteúdos criados por mulheres, principalmente, porque infelizmente, ainda temos uma série de condutas machistas. Por exemplo, toda semana temos um perfil de mulher sendo derrubado (em plena semana da mulher, perdemos perfis de duas produtoras de conteúdo incríveis: Rainha Ada, do Chicotadas Podcast e da Sra Storm, colunista aqui do site), e não vemos esse tipo de movimentação em contas masculinas – seja pela análise do próprio algoritmo, seja por denúncias. Homens são legitimados em suas falas, mulheres não, incomodam. O que elas falam é passível de denúncia. Suas fotos exibicionistas ofendem, mas as de homens são aceitas. Então acho que é praticamente um “dever ético” dar preferência e suporte para elas. É o que falei sobre sororidade antes, né? Passa por isso também: dar voz e visibilidade para o que elas falam, suas dúvidas, para seus conteúdos.

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