COM A PALAVRA – DOMMENIQUE LUXOR

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Apresento-lhe uma das Mulheres que faz parte do time de homenageadas deste ano do Dia da Mulher 2021.

E com a palavra, 

Quem é você mulher? Defina-se!

Hoje me sinto uma mulher muito legal pra mim mesma. Aprendi a ter amizade e bastante apreço por mim, e por causa disso consigo me definir de maneira bem positiva. Sou uma pessoa engajada na minha época, me sinto produto do meu contexto – e acho que eu penso assim porque tenho uma maneira de ver as coisas que é meio historográfica haha. Dia desses estava falando que no início da adolescência, quando a gente é chamada a decidir o que é, ou o que será “na vida”, a ideia de quem eu sou hoje nem passava pela minha cabeça… aliás, não passava nada, nem me imaginava aos 40 e poucos. Só fazia planos para me adequar ao que esperavam de mim mas, obviamente, foram planos que não me convenceram.

Você acredita que as mulheres se dão bem com seus fetiches? E você? Se dá bem com os seus?

Chegam a mim justamente mulheres que não se dão bem com eles, pelo contrário. Então a minha opinião sobre isso é bem tendenciosa. Mas, como historiadora e observadora da história da mulher, acho que a maioria se sente afetada negativamente por seus fetiches. Faz sentido. Até o século XVIII a mulher nem era percebida como mulher, era um homem defeituoso. Até o final do século XIX essa mesma sexualidade era tão controlada que se tornou disfuncional e percebida pela medicina da época como uma doença essencialmente feminina, a Histeria. Isso que as mulheres histéricas eram só uma parte bem assistida da sociedade: tratadas, informadas, educadas, burguesas. Imagina o restante das mulheres! Acredito que os fetiches surgem na sexualidade do humano independente da sua repressão ou não, o que muda mesmo é como a sociedade vai recebê-los – se a gente precisa escondê-los e ser infeliz por isso, ou se a gente consegue relacioná-los com os fetiches alheios com a menor desigualdade possível. E, no caso das muheres, até a possibilidade de pensar no sexo como parte saudável e criativamente importante foi suprimida e transformada em mal, doença, culpa, algo que seria reflexo de uma vida sexual mal conduzida, ou traumas, ou selvageria sexual, etc. É um logo caminho, mas vejo que está mudando, e rápido. O próprio fato de existir uma pessoa como eu, que ensina mulheres sobre seus fetiches, é produto dessa época menos ruim. Torço pra que esse desabrochar não seja novamente podado pelos andamentos políticos do mundo.

Qual seu maior fetiche ou desejo?

Me dou muito bem com meus fetiches e com o tempo vão surgindo outros. Dou valor poderoso ou mágico ou sexual pra coisas, pensamentos ou pessoas que vai muito além dos seus valores materiais, ou de uso. E acho que isso é saudável, mantém o cérebro exercitando liberdade – ainda mais nesse mundo que deseja que todos sejamos servis e embotados. Fetiches que me afetam eroticamente, dos mais antigos, são as máscaras. Não sei porque, mas elas me afetam bastante, são uma espécie de gatilho. Máscara, pau bonito, pé bonito. Bonitos pra mim, claro. Esses são os fetiches mais antigos, que eu lembre.

Até onde você iria para viver de forma saudável a sua liberdade de expressão sexual?

Ah, iria muito longe, bem provável. Estou indo haha. Até o limite de ser presa, ou expulsa do país, não sei. Penso de maneira política e acredito que se eu lutar pela liberdade de todos a minha liberdade também está garantida… então os limites são altos haha.

Simone de Beauvoir disse que não se nasce mulher, mas sim que a pessoa se torna mulher. O que isso fala sobre você?

Nossa, quase tudo. Meu pensamento é historiográfico, penso em longa duração, sempre crio conexões com tudo, capilaridades. E certamente não acredito em essencialismos, em “naturezas”, alma feminina e alma masculina, etc. Tudo o que chamamos de essencial ou “sempre fui assim” se trata de ausência memorialística mesmo, pessoal ou social. Esse pensamento de construção do sujeito de acordo com a estrutura e as matrizes sociais me torna uma pessoa crítica e sempre engajada na mudança social composta por liberdades individuais, e sério, acredito muito nisso! Tenho quase fé na revolução, embora pareça bastante contraditório. E isso diz muito sobre mim. Sou uma mulher que se tornou mulher, reconhecida como, mas bastante atravessada pelo contexto onde emerjo.

Brené Brown disse que “é preciso coragem para ser imperfeita. Aceitar e abraçar as nossas fraquezas e amá-las. E deixar de lado a imagem da pessoa que devia ser, para aceitar a pessoa que realmente sou.”
Como foi para você essa jornada de descoberta?

Uma jornada, exatamente isso. E como acho rica, lindíssima, tocante. A vida é maravilhosa quando a gente entende que até essa percepção sobre fraquezas e fragilidades são arbitrárias. Pois, afinal, quando a gente tem as condições e a coragem de finalmente se desgarrar do grande bando e aceitar essas supostas fraquezas, percebemos que são apenas características, modos de viver e perceber o mundo que são moralmente diminuídos pelo discurso dominante. E, sinceramente, meu ovo pro discurso dominante. Minha jornada tem sido a permanente afirmação da minha liberdade frente a esse discurso. De ontem até o dia da minha morte essa jornada será sempre ativa, sempre marginal, sempre desviante e procurando aumentar cada vez mais o espectro desses desvios, até que sejam normalizados e surjam outros. Meu trabalho/jornada/ação no mundo é movido por essa causa: lutar contra a servidão humana aos manuais de uma pequena parcela da humanidade, ao que dizem que é ‘certo’. A qualquer momento a gente pode ser mortalmente atingido, literalmente, mas essa jornada vale muito a pena. Me sinto útil, valorosa e importante, me sinto viva, criativa, sempre jovem. Maravilhosa 🙂

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