TRIBUTO A SERVO “S”

Existe uma idade para praticar BDSM?

Sim! Após completar dezoito anos.

E essa é a única restrição. O BDSM pode ser praticado por pessoas com mais de 18 até os 100 anos sem problema algum.

Muitas pessoas tem a ideia que o BDSM são apenas práticas físicas, e que você tem que ter um corpo jovem e esteticamente dentro dos padrões da sociedade para praticar.

Ledo engano, não existe idade nem compleição física que lhe impeça de vivenciar suas fantasias.

BDSM é antes de tudo Dominação psicológica, portanto, é a mente o principal foco de dominação. Exercer Poder sobre outra pessoa nem sempre significa que precisar da força física pra isso. E muitas praticas podem ser totalmente adequadas a qualquer idade.

Um praticante mais maduro pode, em alguns casos, não ter o viço da juventude, porém as experiências adquiridas durante sua trajetória fazem com que ele tenha algo muito precioso que justamente falta na juventude. Experiência!

E não só experiência de práticas BDSM, mas muito além disso experiência em conduzir ou se submeter, em avaliar situações e oportunidades que muitas vezes são essenciais não só para sua evolução BDSM, mas principalmente em sua vida como um todo.

Quando a experiência cruza com a juventude ávida por aprendizado, lindas histórias de vida podem surgir.

Assim foi comigo, e contarei agora uma das mais belas experiências que tive dentro do BDSM.

Contarei a história de meu eternamente amado servo “S”.

A cerca de uma década atrás conheci servo “S”.
Apesar de eu já ser uma Dominatrix profissional, ainda estava no início e era inexperiente em muitas coisas.

O servo “S” veio para uma sessão profissional.

Era um inglês, muito magro, menos de um 1,60 de altura, branco como papel, pálpebras cobertas pelas rugas da idade não escondiam o olhar manso, profundo e inteligente.

Estava com 68 anos, mas tinha a agilidade e vitalidade de um jovem. Vestia se de forma sóbria, mas muito elegante. Os cabelos brancos emolduravam um rosto que ainda conservava beleza.

— Com sua permissão, Rainha!

Acenei com a cabeça e ele tomou minha mão entre as suas, se curvando para beija lá.

Depois de acomodados, conversamos, seu sotaque me parecia encantador. Me disse que estava morando no Brasil fazia pouco mais de quatro anos, mas que durante toda sua vida, sempre que podia vinha para o Brasil e que sua paixão por nosso país fez com que decidisse passar sua aposentadoria aqui. Viajou por muitos países, conheceu muitas dominadoras, viveu de forma discreta, porém intensa sua servidão desde muito jovem. Mas não era o que ele falava que me fazia crer em cada palavra, mas sim sua profunda aura de submissão, onde cada gesto, cada palavra continha expresso seu desejo de devoção. Ele estava a procura de uma Dona, disse que queria dedicar seus últimos anos de vida a uma Rainha. Fiquei alguns segundos estática absorvendo tudo que ele falava e compreendendo a profundidade que ele propunha como relacionamento. Percebi que ele já me sondava fazia muito tempo, pois mencionava postagens antigas em minhas redes sociais e até mesmo alguns posts que eu já havia deletado fazia algum tempo. Naquele momento, vendo aquele pequeno homenzinho de joelhos a minha frente, percebi o quanto estava sendo abençoada pelo Universo, porque sentia a energia daquele homem de pouca estatura e de gigante dedicação.

Começamos tendo duas sessões por mês, mas em pouco tempo já nos víamos toda semana, algumas vezes mais de uma vez por semana, a ligação que eu sentia com ele era algo mágico, ele compreendia minhas ordens com apenas um olhar. Estava sempre atento e bem disposto para qualquer tipo de ordem que eu desse. A cada sessão a troca entre nós enriquecia a relação e o aprendizado vinha da observação dos detalhes, de cada gesto, palavra e postura. E por 3 anos ele se mostrou o servo mais dedicado que eu já havia tido. Antecipava cada uma de minhas necessidades, estava sempre pronto a qualquer tarefa.

Porém chegou o dia que uma notícia congelou me por dentro e sentimentos que achei que nunca teria por um servo afloraram. Angustia, medo e impotência me consumiram em instantes como labaredas de fogo a queimar projetos de lindos sonhos.

Ele estava com câncer em estágio bem avançado e iria começar a quimioterapia no dia seguinte. Apesar de me sentir profundamente abalada com a notícia, coloquei um sorriso no rosto e procurei ser o mais otimista possível, ignorando aquela vozinha interior que me contava que ali era o início do fim.

Continuamos tendo sessões semanais, mas os efeitos da quimioterapia não tardaram a se mostrar. Aqueles cabelos brancos e macios que eu gostava de puxar caiam por seus ombros, a agilidade já não era mais a mesma e haviam vezes que eu percebia que ele se esforçava tanto pra ficar de joelhos que providenciei uma almofada e na maioria das vezes ordenava que se sentasse e não ficasse de joelhos. Apesar daquele corpo frágil estar cada vez mais debilitado, a mente conservava a mesma vivacidade em seu ser e o mesmo desejo intenso de servidão. Conforme os meses passavam e ele ia ficando mais frágil eu ia adaptando as práticas para que ele se cansasse menos e pudéssemos aproveitar mais da companhia e das deliciosas conversas que tínhamos.

Oito meses depois de receber a notícia, pouco da vitalidade ainda podia se ver em seus olhos e senti que ele estava especialmente triste aquele dia. Estava recostado em um puff, seus pés, descascados pela química tinha a pele tão fina nas solas que até mesmo pisar ao sol lhe dava bolhas. Com coração apertado pela tristeza ouvi ele dizendo que faria uma cirurgia complicada na semana seguinte e por isso não sabia quando poderia voltar a me ver.

Passamos um dia delicioso juntos, vendo fotos e vídeos antigos de nossas sessões, conversando e deliciando-se com a companhia um do outro. Quando chegou a hora de ir embora e ele já estava saindo pela porta, olhou-me com uma tristeza tão grande que meus olhos marejaram, disfarcei e desejei que tudo ocorresse bem em sua cirurgia. Quando já estava do lado de fora da porta, olhou-me novamente e vi medo em seu olhar.

— Rainha, estou com medo de não voltar.

O conjunto das palavras e o olhar fizeram o chão sumir sob meus pés, um bolo se formou em minha garganta e senti como se o ar houvesse sido tirado de meus pulmões de uma só vez.

Não, eu não podia dar adeus, eu não podia deixar de ter aquele homenzinho, que conquistou não só minha confiança, mas também meu respeito. Não poderia deixa-lo partir. Não, eu não tinha forças pra encarar aquele olhar de medo e dizer que ia ficar tudo bem porque aquela voz dentro de mim dizia pra eu me despedir. Não aguentei, eu simplesmente não podia dizer adeus, se eu fizesse isso, seria como arrancar um pedaço de mim mesma. Alguns segundos que pareceram séculos se passaram, eu lia nos olhos dele o amor refletido e essa visão era grande e forte demais pra mim. Abaixei os olhos por um instante, na tentativa inútil de fugir daquela dor, mas em seguida, me aprumei, não ia deixa-lo me ver chorar, não o deixaria ver-me sem esperanças. Juntando todas as forças que restavam-me e falei que era pra ele parar de besteira, porque em breve estaríamos juntos de novo. Mesmo usando todo meu empenho, aquelas palavras soaram ocas e vazias. Ele abaixou a cabeça e num impulso, com meus dedos, levantei seu rosto e dei lhe um singelo beijo nos lábios. Vi, mesmo que em um lampejo, seus olhos brilharem com toda luz que sempre teve e em seguida apagarem-se novamente.

— Obrigada Rainha!

Ele fez uma pequena mesura, virou-se e foi embora. Fechei a porta e assim que ouvi o portão se fechar, permiti dar vazão a todos os sentimentos reprimidos, chorei copiosamente, deixando os soluços virem e a tristeza tomar seu lugar devido para aquele momento.

Nunca mais o vi, nunca mais houve um e-mail, uma mensagem, uma ligação, não mais ouvi aquele sotaque que eu tanto amava nem vi aquele olhar de devoção que me enternecia a alma.

Nunca disse adeus, não fui forte o bastante pra isso, mas agora, passados muitos anos, me perdôo pela fraqueza de não ter tido forças pra dar um último abraço.

Então aproveitarei essa oportunidade, onde trago presente de forma tão vivida meus sentimentos para agradecer, mas não para me despedir.

Querido servo “S”

AUTORA

NEFERTITI ISHTAR

Nefertiti Ishtar, 44 anos, natural do litoral do Rio de Janeiro, mudou se para São Paulo e vivencia o BDSM desde de 2007, tendo se tornado Dominatrix Profissional com intuito de aprofundar seu conhecimento, atuando não só profissionalmente, mas também como membro ativo da comunidade BDSM e lgbtqi +.
Através dos anos compartilhando conhecimento em cursos, workshops e encontros privados, sempre com boa vontade para ensinar e aprender com iniciantes, sejam TOPs ou bottons.
Experiente em diversas praticas fetichista, frequenta festas e eventos, onde faz cenas publicas sempre levando a segurança e bom humor como prioridade.
No momento possui 3 servos. Bruna, CD submissa, encoleirada faz cerca de 6 anos, Kore, mulher masoquista, encoleirada faz 5 anos e Jade, CD submissa encoleirada faz 4 anos.
Como hobbie gosta de artesanato e costura, muitas vezes fabricando roupas e acessórios para sí e suas posses, bastante conhecida por sua criatividade também fabrica varios instrumentos BDSM para uso proprio e para presentear amigos.
Nefertiti Isthar, Nefer para os amigos, é uma pessoa feliz e bem humorada que adora estar entre amigos e compartilhar histórias e aprendizados de suas vivências no BDSM.

COMO INICIAR NO BDSM

COM A PALAVRA – NEFERTITI ISHTAR

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