SISSY – SUBMISSÃO, SERVIDÃO, E… SUBVERSÃO!

Por Ana Lúcia Rejszkjard

No universo BDSM talvez uma das figuras menos conhecidas e mais sujeitas ao preconceito e às falsas interpretações seja a figura da Sissy, que faz parte de um grande grupo de manifestações masculinas relacionadas à imagem feminina.

É importante que saibamos o que é, mas principalmente, o que não é uma Sissy.

Hoje em dia temos muitas formas de manifestações presentes na sociedade geral, indo desde a Travesti, passando pela Mulher Trans, as Crossdressers, as Drag Queens, e também temos as Sissies.

Para melhor compreender o assunto, olhemos rapidamente cada uma delas (definições de dicionário):

Travesti: 1. Artista que se veste com roupas do sexo oposto em espetáculos; 2. Pessoa que nasceu do sexo masculino, mas que se reconhece em uma identidade de gênero feminino.

Mulher Trans: Pessoa que foi atribuída ao sexo ou gênero masculino ao nascer que possui uma identidade de gênero feminina.

Crossdresser: homem que se veste com roupas de mulher, mas não é necessariamente homossexual.

Drag Queen: homem que se veste com roupas extravagantes de mulher e imita a voz e os trejeitos tipicamente femininos.

Sissy: termo pejorativo para um menino ou homem efeminado, com conotação de ser gay ou covarde. Segundo a Wikipédia: A Sissy é um macho genético que adota comportamentos hiperfemininos, e se engaja em atividades estereotipadas como “femininas” (por exemplo, serviços de limpeza, empregada, etc., devidamente vestido como mulher).

Fica claro, já, que uma Sissy não é nem nunca poderá ser confundida com uma Travesti ou uma Mulher Trans, pois em sua essência continua sendo um homem, e também não é uma Drag Queen, que é uma artista, em última instância.

Há algum grau de sobreposição, então, entre a Crossdresser e a Sissy, uma vez que ambas são homens, mas aqui temos um aspecto interessante que as diferencia: enquanto a Crossdresser se veste e se comporta como qualquer outra mulher, usa roupas contemporâneas e maquiagem mais ou menos discreta, dependendo da ocasião, e, principalmente, age como a mulher contemporânea, sem ser menos que um homem ou intimidada por eles, ou seja, sem assumir qualquer posição de subserviência ou de servidão, típica de um submisso no BDSM; já a Sissy corresponde a uma versão totalmente diferente de mulher, ela é a mulher pensada negativamente como a “mulherzinha”, subserviente, servidora, “recatada e do lar”, a imagem da mulher dependente do marido, a dona de casa típica dos filmes dos anos 1940 e 1950. A Sissy busca ser como uma sub, quase uma escrava, como entendido atualmente no BDSM nacional.

Lógico que há de se fazer uma ressalva importante: muitos homens têm fetiches por usar roupas de empregadinha ultra sexy de Sex Shops e fazer alguma cena como preliminar de uma inversão, por exemplo, e isso acaba sendo confundindo com o que é ser efetivamente uma Sissy, pois ser uma Sissy se trata praticamente de um compromisso para toda a vida.

Subversão

Todas as questões mencionadas acima envolvem o rompimento de um dos maiores tabus da sociedade, a negação do lado viril do ser nascido homem.

Essa é uma questão que está presente na sociedade já há muitos séculos, remontando à época do antigo Império Romano, quando, apesar da grande liberdade sexual e da aceitação do homossexualismo (para o qual não há sequer uma palavra em latim que descreva a prática), um homem era condenado publicamente se fosse visto como efeminado.

Semelhantemente, na tradição judaica, há leis que detalham especificamente penas para o homem que se deitasse com outro como se mulher fosse…

Contudo, sempre houve em algumas bravas almas o desejo de romper, de subverter, a necessidade tão grande da alma de homenagear a mulher que desejassem eles mesmos assumir as vestes e as ações da mulher, como forma de extremada paixão ou até mesmo veneração!

Isso se resolvia, por exemplo, no teatro antigo, onde os papéis femininos eram desempenhados por atores do sexo masculino, prática também comum no extremo oriente, no teatro Kabuki.

No século XVIII, quando o teatro se abre para as mulheres, surgem na Inglaterra os clubes de travestismo, onde homens frequentavam usando trajes femininos, apesar de para alguns serem também uma fachada para a prática do homossexualismo.

O século XIX marca uma profunda ruptura de costumes, com muita repressão, e mesmo esses clubes passam a ser clandestinos e perigosos, pois leis passam a punir práticas homossexuais, como tentativa de “regrar” a sociedade.

Contudo, a natureza sempre encontra uma solução, ainda que nos locais menos prováveis, e será justamente nos campos de prisioneiros de guerra, tanto na Primeira Guerra Mundial, como na Segunda, que veremos o surgimento de uma grande prática de transformismo e o aparecimento de Crossdresser, novamente usando os palcos como forma de espaço seguro para sua expressão.

Na década de 1950 começam a surgir os chamados clubes de “Transvestimos Heterossexual” nos EUA, e clubes semelhantes na Inglaterra, onde homens se reúnem, vestidos como mulheres, para praticas de atividades tipicamente femininas, como cozinhar, reuniões para tomar chá, etc.

Ao mesmo tempo o mundo dos espetáculos absorve um grande contingente dos transformistas mais talentosos, que passam a ter os holofotes em Las Vegas ou mesmo na Broadway.

Finalmente, no final dos anos 1990 emerge uma cultura GLS mais forte, buscando reconhecimento e dignidade, e isso abre o caminho para que as novas expressões de gênero cheguem à sociedade, onde hoje temos todas as formas subversivas e revolucionárias de ser homem (Travesti, Mulher Trans, Crossdresser, Drag Queen, e Sissy).

Brasil

O Brasil não é nem nunca foi nenhuma Brastemp em termos de liberdades sexuais e aceitação do diferente, como todos sabem, mas mesmo aqui sempre houve uma válvula de escape para a manifestação de gênero alternativa, que eram os chamados “Blocos de Sujo”, no Carnaval.

Dessa forma, ainda que incipientemente, havia uma vez ao ano onde se podia mostrar-se para todo mundo como mulher, conquanto parte da vivência de Momo!

Curiosamente, no Brasil até muito recentemente somente havia duas opções alternativas para o homem: travesti ou transformista. A primeira reduzida ao comércio do sexo, e a segunda aceita de alguma medida na cultura alternativa, especialmente do teatro burlesco.

Foi apenas com o advento da Internet que formas alternativas de expressão de gênero se tornaram disponíveis para os homens, mais ou menos ao mesmo tempo em que a cultura BDSM chegou ao Brasil, e é nesse contexto, finalmente, que também a figura da Sissy se torna mais acessível ao público nacional.

Entretanto, também foi a Internet que, aliada ao machismo de homens e mulheres na comunidade BDSM brasileira, levaram a muita confusão, a muito erro e a muito preconceito sobre o que, então ser Sissy.

Sissy e BDSM

A Sissy é um homem genético que adota comportamentos hiperfeminino, e se engaja em atividades estereotipadas “femininas” (por exemplo, o serviço de limpeza doméstica, empregada doméstica, cozinheira, sempre devidamente caracterizada como mulher e buscando sempre ser a cópia mais fiel da imagem feminina possível), muitas vezes dentro do contexto de BDSM.

Normalmente, no BDSM uma Sissy assumirá normalmente o papel submisso a uma fêmea dominante, e isso se deve principalmente a um fato simples: a Sissy quer mais do que nada aprender a ser mulher! Ela não sabe como, mais sua alma anseia desesperadamente aprender, daí que buscará quem tem o que lhe ensinar: uma Domme.

E aqui vale uma ressalva: a Sissy quer ser Sissy! Não existe uma “feminização forçada e oculta” que seja feita fora da vontade da Sissy!

O BDSM é São, Seguro e Consensual, ponto final. Fora disso o que temos são contos mal traduzidos e muita fantasia. Ninguém força ninguém a querer aprender a se comportar como uma mulher, a andar de forma mais delicada e graciosa, a não retrucar em uma conversa e esperar que te deem a palavra, tudo isso você quer por si mesma!

No site do Kinkly, temos uma explicação interessante quando vemos o que é, então, o treinamento de uma Sissy: um homem submisso aprende a assumir papéis femininos tradicionais. O submisso, conhecido como Sissy, aprende a adotar comportamentos ultra femininos e executar atividades femininas sob a orientação de uma Dominadora.

As atividades realizadas como parte do treinamento geral variam, incluindo limpar a casa, auto maquiagem, cozinhar, etc.

Praticar o Crossdressing e depilar o corpo são elementos comuns do treinamento, pois ajudam a transformar o corpo masculino em um corpo de aparência mais feminina.

O treinamento de uma Sissy é um processo que ocorre lentamente com o tempo, requerendo um compromisso e confiança significativos da Dominadora e do submisso.

Uma Sissy, então, é um homem heterossexual submisso que pelas mãos de uma Dona será dominado, treinado, adestrado e assumirá uma posição feminina como um homem emasculado, que se torna assim não por meio de hormônios, mas pelo comportamento, roupas e atitudes, por desejar no seu foro mais íntimo ser a mais perfeita imitação de uma mulher possível, sempre sabendo que jamais será uma mulher plenamente.

Na cultura do BDSM americano, a Sissy é treinada e aprende a se portar e agir não como uma mulher normal, mas como uma mulher exageradamente feminina e delicada, daí que vemos muitas Sissies, especialmente nos EUA com uniformes de empregadas vitorianos ou vestidos cheios de rendas e babados, como se a Sissy pudesse ser comparada a uma boneca moldada e construída por sua Dona.

Por que isso não é assim tão comum no BDSM brasileiro? Entre outras coisas pelo simples custo desses uniformes e vestidos, que muitas vezes é proibitivo, e impede que esse tipo de indumentária possa sequer ser comprada.

Novamente na cena do BDSM americano, muitas vezes uma Sissy é considerada um ser naturalmente inferior a todos e que deve respeito e subserviência a quem quer que se aproxime.

Na cena do BDSM brasileiro, contudo, muito pouco se conhece do estilo de vida Sissy, e muitas vezes se repetem visões machistas de que “é um cara de vestidinho curto com calcinha enfiada esperando para ser invertido”, ou que “não há essa de empregada, o cara não limpa porra nenhuma só quer depois apanhar”, ou outras bobagens com ar mais científico como “se trata de um fetiche de gênero”, como forma de sub-sub-categorizar quem vive e adota o estilo de vida Sissy.

Ser Sissy e Servir no BDSM Brasileiro

Finalmente posso falar um pouco sobre a experiência que eu tenho sobre o que é ser Sissy e o que é servir no BDSM.

Não quero me dizer melhor do que ninguém, mas como sou um pouco mais velha já vivi um pouco mais então posso falar um pouquinho sobre o tema.

Ser Sissy é difícil, trata-se de enfrentar preconceitos todos os dias, ser vítima de machismo, achismo, escutar bobagens e seguir em frente, porque nada é mais sublime e elevado do que poder viver a experiência de quase ser mulher. É quase como se sentir Ícaro voando em direção ao sol, plena, capaz de tudo.

Sirvo regularmente, como sua sub/escrava, à minha Dona, a Senhora Ana Moura, e, emprestada por ela, já servi a várias senhoras, muito conhecidas de todos como a Senhora Valentina Severo ou a Rainha Nefertiti.

Foi servindo minha Dona que cresci como ser humano, aprendi a cuidar bem de uma casa, a lavar e passar a roupa, arrumar gavetas e armários, e a cozinhar! Cozinhar não apenas o trivial, mas também a ir além, para alegrar minha Dona.

Sempre que sirvo busco fazer o máximo para dar alegria a prazer a quem sirvo, seja visualmente, ao me apresentar o mais linda e perfeita que possa, seja na melhor execução das tarefas que consiga, para que o resultado exceda as expectativas.

Mas nem tudo são rosas quando a gente decide servir…

Já fui convidada a debates sobre o tema em grupos, e mesmo a falar sobre o tema em uma reunião de Rainhas, na qual além de servir, também expliquei alguns pontos ligados ao tema Sissy, e cujo vídeo de uma parte da minha fala segue abaixo, por cortesia da Rainha Nefertiti.

Se, além disso, há mais em termos de BDSM em minha vida? Claro, sou humana, e sirvo minha Dona em todas as formas que ela me mande, pois somos todas humanas, né?

Sobre a Autora


Ana Lúcia Rejszkjard, 53 anos, Crossdresser e Sissy, praticante de BDSM há algumas décadas, orgulhosa portadora de uma coleira e atualmente reclusa esperando o final dessa pandemia infinita, aproveitando o tempo para aprender a lidar com uma nova situação após ter perdido parte dos movimentos de uma das mãos.

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