REFLEXÕES SOBRE OUTUBRO ROSA E NOSSOS DISCURSOS

Olá amores, tudo bem? Nessa coluna quero falar sobre um tema que me é muito caro – e imagino que para muitos que leem aqui também. Em outubro, falamos em Outubro Rosa, sobre a conscientização sobre o câncer de mama.

Esse é um tema muito caro para mim, por diversos motivos pessoas que não são necessários serem expostos. Por isso, não poderia passar esse mês sem falar sobe o tema. Sobre informações acerca do câncer de mama (tratamentos, exames, diagnóstico), em 2020 eu fiz um post sobre o tema e se você tiver interesse, pode acompanhá-lo. A ideia é atualizá-lo constantemente e se achar interessante, compartilhe-o com outras pessoas que podem se beneficiar desse conhecimento.

Por isso, quero abrir um espaço aqui mais reflexivo. Para refletirmos como encaramos o câncer de modo geral e, especificamente nesse período, o de mama.

Para muitas pessoas, principalmente mulheres cis, há toda uma construção acerca da sexualidade e fetichização focada nos seios. Não é a toa, por exemplo, que quase 20% das cirurgias plásticas no Brasil são para implante de silicone. Mas também não é só isso. Para além da construção de um padrão estético (que sabemos que existe), os seios compõem uma zona erógena importante e, portanto, no nosso imaginário sobre prazer e sexualidade, é muito comum que eles ocupem um papel importante.

Uso de lingeries que ressaltem a região, práticas como nipple play, nipple torture, lactofilia, a famosa prática “espanhola”, fetiche em receber o gozo nos seios… Poderíamos aqui enumerar várias delas, não é mesmo?

Outro ponto é ainda termos alguns estereótipos de gênero que correlacionam feminilidade e seios. O “corpo feminino” é aquele no qual os seios são protuberantes. Quem nunca ouviu alguém de peito pequeno falando “nossa, eu pareço um homem por ser quase uma tábua”? Tenho certeza de que, pelo menos, na adolescência, você ouviu isso. Ainda que, posteriormente, na idade adulta, isso apareça menos, isso figura o imaginário de muitas mulheres que se sentem “menos femininas” ou “menos gostosas” por não terem seios grandes. Ou talvez seja até mesmo o seu caso, pessoa que está lendo esse texto, não é mesmo?

Por isso, para além da questão de enfrentar uma doença cujo estereótipo social é de uma “batalha com um grande inimigo” ou uma “quase sentença de morte”, o diagnóstico de câncer de mama e uma eventual possibilidade de uma mastectomia mexe com a autoestima. Isso sem falar, claro, de outros processos que impactam a autoestima, como a perda de libido durante o tratamento (principalmente para os tratamentos para tumores hormoniodependentes), a perda dos cabelos para quem realiza quimioterapias, as cicatrizes e alterações para quem faz as cirurgias conservadoras e, também, o risco de perda de fertilidade (novamente, voltamos aqui para os estereótipos de gênero, que correlaciona a feminilidade com a possibilidade de ser mãe. Isso sem contar aquelas que tenham, de fato, o sonho da maternidade em algum momento) diante de alguns tratamentos (muitas vezes, inclusive, é recomendado o congelamento de óvulos para realizar a preservação social da fertilidade. Contudo, são procedimentos caros, tanto para sua realização quanto o pagamento das manutenções, o que torna essa possibilidade inviável para muitas pessoas).

Muitas pessoas relatam, assim, terem perdido o contato com a sua sexualidade nesse momento. Claro, tem todos os pontos que listei aí acima e que são, de fato, impactantes demais, principalmente, em uma sociedade que estabelece determinados padrões de performance de gênero. Mas ainda tem um ponto que influencia nisso tudo e que vai para além da sexualidade, e que gostaria de compartilhar as reflexões com vocês.

Nosso imaginário sobre o câncer passa por duas ideias ainda muito violentas, principalmente, sobre as mulheres: a que a doença é um inimigo a ser combatido em uma guerra e que ainda é uma quase sentença de morte.

Na primeira, imputamos sobre o paciente, mesmo que indiretamente, a responsabilidade sobe sua saúde. “Ela venceu o câncer”. E todas aquelas que não venceram, ou que passam por metástases e precisam conviver com a doença ao longo da vida, não são vitoriosas? Perderam por algum tipo de falta de esforço? Não lutaram o suficiente? Esse discurso, mais uma vez, é violentíssimo. Impute uma responsabilidade de manter-se sempre estimulada, alerta, disposta a batalhar, ou pode perder. E convenhamos, se você conversar com qualquer pessoa que passou por esse problema, sabe que medos, fantasmas, inseguranças, vão surgir. Desânimos vão vir. É normal, é natural e esse discurso ganha ainda mais força quando falamos de uma doença que atinge, majoritariamente, aquelas que tenham nascido dentro do que concebemos como sexo biológico feminino. Mulheres precisam ser guerreiras, são fortes, são resistência. Desviar desse caminho é desviar daquilo que se espera sobre elas. O quão estamos imputando fardos pesados sobre aquilo que não está sobre controle de uma paciente?

Câncer não é uma guerra. É uma doença, com tratamento, e deve ser encarada como tal.

Na segunda, colocamos um fantasma sobre as pacientes que tenham o diagnóstico. Como se elas passassem a definir-se pelo risco, a partir da leitura da biópsia do termo “carcinoma”, como alguém cujo tempo no mundo foi, imediatamente, reduzido.

Olhares de piedade, comensuração, relatos que sempre abordam “aquela amiga ou familiar que sofreu tanto e não resistiu”. Ou, ainda, novamente, os relatos de “fulana passou por isso tão bem, mudou a vida dela”. Cada quadro de câncer de mama é único, porque cada pessoa vai ter um quadro específico único, o organismo reage de formas diferentes, a evolução do estadiamento é diferente, enfim… Ao invés de colocarmos estágios competitivos, por que não acolhemos essas pessoas? Escutamos elas. Oferecemos uma escuta de fato acolhedora. Não digo aqui de tirar o papel importante de um profissional de saúde mental, principalmente, para acompanhar o quadro ao longo do tratamento, mas de sermos empáticos.

Nesse Outubro Rosa, minha mensagem é: até que ponto os nossos discursos não são absurdamente violentos e irresponsáveis com as pacientes? Que possamos repensar nossas condutas e abrir espaços que sejam, de fato, seguros para elas.

E se você, leitor(a/e) que está lendo esse texto, estiver passando por isso nesse momento, sinta-se abraçado(a/e), acolhido(a/e). Isso não é uma guerra, você não está lutando. Você está em tratamento de uma patologia que não te define como indivíduo, ok? Sua existência, sua identidade, é maior do que um diagnóstico.

Cuidem-se, façam o autoexame e os exames de imagem de rotina e fiquem bem.

AUTORA

HACKING SEX

Nascido de uma ideia de mudar o sistema por dentro, aproveitando as brechas de vulnerabilidade para repensarmos e fortalecermos as concepções sobre (a)sexualidade(s), em constante (des)(re)construção, feito de forma coletiva. Construindo uma comunidade com o fortalecimento de todos os membros, abrindo espaços para trocas colaborativas de ideias, para que todos possamos crescer juntos no processo.

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Uma resposta

  1. Preciso dividir minha experiência com vocês após este texto tão tocante… trabalho com portadores de câncer há mais de 20 anos. Até hoje me dói escutar profissionais de saúde dizendo “fulano é um tumor X, fulana é uma leucemia Y”… corrijo qualquer um que fale isso na minha frente! Reduzir um ser humano a uma doença é o pior que se pode fazer por alguém.

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