Olá amores! Hoje quero falar sobre um ponto importante que, apesar de ser talvez um pouco óbvio, as vezes ainda é muito objeto de frustração no meio BDSMer: as idealizações.
É “natural” (muito cuidado com essa palavra, a naturalização aqui é social rs) que, quando entramos no meio, busquemos referências para basearmos qual é a “experiência ideal” do nosso jogo erótico de troca de poder. Assistimos vídeos, bebemos de literatura, acompanhamos fotos, vemos performances, lemos relatos, enfim. Isso tudo foi, e é importante, para que possamos criar o nosso imaginário sobre o BDSM, não é mesmo?
Contudo, temos uma questão peculiar aqui: todos esses conteúdos, normalmente, são focados em experiências positivas, sem erros, sem falhas. E criam na nossa mente uma ideia de que sessões não só podem, como devem ser perfeitas. Qualquer tipo de desvio (claro, desconsiderando negligências, imprudências e imperícias) é uma falha grave.
Daí a importância, obviamente, dos estudos sérios não só sobre as práticas, mas, muitas vezes, sobre as dinâmicas relacionais do meio. Quais as consequências de não utilizar a vela correta para wax play? Qual a forma correta de realizar um breath play? Se o(a) partner tiver persistência no teto preto, o que fazer? Quais as principais diretrizes que uma negociação deve ter para tornar as sessões (sejam elas avulsas, como play partners ou D/s) mais prazerosas para todos e com minimização/conscientização dos riscos? Todas essas questões ficam muito mais claras diante dos estudos sérios.
Mas sabe aquelas imagens que citamos anteriormente? Elas persistem, porque temos, por hábito, criar imaginários ideais: temos a ideia de parcerias perfeitas, trabalhos perfeitos, amizades perfeitas, entre outros. E a nossa atual Sociedade da Exposição (um termo que ainda vamos conversar sobre no futuro) nos joga, justamente, para sempre compartilharmos trajetórias de sucesso e condenarmos os erros. Daí, sempre é reforçado na nossa mente essa idealização. E isso acontece mesmo com todos os estudos e consciência de que a falha não é uma questão de “se vai acontecer”, mas “quando vai acontecer”.
Os erros não aparecem porque estamos em uma sociedade que expor qualquer tipo de experiência negativa é considerado um fracasso. Ou, se for exposto, é para trazer uma “lição ao final”. Abra o Linkedin e você verá pelo menos uns 10 posts nessa linha do que estou falando: “como transformei a falha do meu negócio em algo de sucesso”.
Só que se nem na vida baunilha essa pegada coaching condiz com a realidade (afinal, empresas quebram, perdemos clientes e oportunidades, temos artigos recusados, falhamos no dia a dia sim e muitas vezes, não vem uma lição de moral como plus para acompanhar), no BDSM não seria diferente.
Falhas acontecem sim. E muitas vezes elas ocorrem justamente com todos os cuidados existentes. As vezes as falhas vão surgir de questões que estão fora dos “manuais” e que poderiam ter maior consciência, justamente, quando trocamos experiências de erros. Por exemplo, se você ouvisse um relato de uma sessão que foi parada porque a safeword escolhida tem sonoridade semelhante a sons que podem ocorrer durante a sessão, ou uma palavra muito longa e que não pôde ser concluída antes de um próximo ato, provavelmente vai pensar duas vezes antes de defini-la, não é mesmo? Mas sabe como nos conscientizamos sobre isso?
Ouvindo os erros alheios e assimilando que aquilo não é demérito daquele jogador ou não (exceto, obviamente, em casos de negligência, imperícia ou imprudência). Ouvindo e pensando “ok, como eu reagiria nessa situação?”.
Além disso, essa conversa traz outra perspectiva: a frustração de muitos participantes quando ocorre um erro. Meu amor, se até atleta de ginástica artística falha nas olimpíadas, depois de 4 anos treinando só para aquele momento, a outra pessoa pode cometer um erro sim. Mas, novamente, é preciso não desligar o cérebro e avaliar até que ponto foi um erro genuíno ou uma displicência da outra parte. Lembre-se que você é responsável pela sua integridade física e precisa garanti-la também.
A idealização é a mãe da frustração. Sejamos maduros e sensatos para entender que eventualmente você vai passar por alguma sessão em que algo pode sair diferente da sua imaginação. A vida real é muito diferente daquilo que é exposto nos mais diferentes lugares.
E, ao mesmo tempo, proponho uma reflexão: por que falamos tão pouco sobre as falhas que ocorrem em sessões? Até que ponto estamos seguindo uma lógica de exposição egoica e com pouco senso de comunidade? As trocas de experiências, inclusive as negativas, agregam positivamente e auxiliam para que outros jogadores pensem como agir em eventuais cenários inesperados.
AUTORA
HACKING SEX
Nascido de uma ideia de mudar o sistema por dentro, aproveitando as brechas de vulnerabilidade para repensarmos e fortalecermos as concepções sobre (a)sexualidade(s), em constante (des)(re)construção, feito de forma coletiva. Construindo uma comunidade com o fortalecimento de todos os membros, abrindo espaços para trocas colaborativas de ideias, para que todos possamos crescer juntos no processo.
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Uma resposta
Excelente reflexão! É perfeitamente compreensível que idealizemos situações e pessoas, afinal, quem vai imaginar um cenário imperfeito ou uma prática dando errado? Sonhar é humano… mas é preciso entender que quase nunca sonhos viram realidade exatamente como os projetamos, em nenhum aspecto de nossas vidas, e quem incorpora esta premissa tende a se frustrar menos. A frase “a idealização é a mãe da frustração” é perfeita para sintetizar a discussão!