Uma entrevista de suma importância, completa e esclarecedora que merece registro e divulgação.
Ambos seus meus amigos, o entrevistado e o entrevistador. #ORGULHO.
A entrevista do DOM PC toca em pontos importantes da preservação da saúde nas práticas do BDSM, isto graças as perguntas pontuais do Heitor Werneck.
A entrevista foi publicada no site do HEITOR WERNECK, veja aqui na íntegra A ENTREVISTA PUBLICADA.
BDSM com saúde: um médico dominador e suas dicas maravilhosas
Médico graduado pela USP e praticante do BDSM há cerca de 12 anos, Dom PC conversou com o blog e deu algumas dicas para você desfrutar as mais deliciosas fantasias sem expor sua saúde a riscos.
HW: Que práticas requerem mais cuidados no que se refere à prevenção contra DSTs?
Dom PC: Todas as práticas requerem cuidado em relação à prevenção de DSTs, pois em grande parte das práticas de BDSM ocorre alguma forma de contato corporal ou com fluidos corporais.
As doenças sexualmente transmissíveis (DST) são causadas por vírus, bactérias ou outros micróbios transmissíveis, principalmente, através das relações sexuais realizadas sem as devidas proteções com uma pessoa que já esteja infectada. Geralmente, manifestam-se por meio de feridas, corrimentos, bolhas ou verrugas, podendo também não apresentar sinais/sintomas.
Vale lembrar que DST não é apenas a AIDS, mas também Hepatites B e C, Sifilis, Gonorréia, Linfogranuloma venéreo, Herpes, Cancro mole, Condiloma acuminado etc.
Embora numa sessão de BDSM a penetração (pênis-ânus, pênis-vagina) não seja uma regra, as DSTs podem ser transmitidas de outras formas, tais como: contato com lesões de pele e mucosas e contato com fluidos corporais (sêmen, sangue e secreções genitais). A proteção absoluta contra essas doenças seria não ter contato com qualquer tipo de secreção corporal.
Não existem pesquisas que relacionem especificamente alguma DST com a pratica BDSM, mas alguns cuidados são fundamentais: uso de preservativos e assepsia completa de todos os objetos e acessórios de uso individual ou coletivo.
HW: Na prática de pissing, pode-se contrair qual DST?
Dom PC: A urina é um líquido estéril, ou seja, em condições normais não contém micro-organismos causadores de doenças.
Em relação ao vírus HIV, não ocorre transmissão pela urina, pois as quantidades nela contidas, assim aquelas presentes no suor e na saliva, são pequenas para permitir uma transmissão. Porém, o sangue e seus derivados, como as secreções genitais, possuem grandes quantidades do vírus, sendo o suficiente para a transmissão.
HW: E na prática de escatologia, quais os riscos?
Dom PC: Em relação ao HIV existe pouco risco de uma contaminação ao receber urina ou fezes na boca, porém todo cuidado é pouco, pois outras doenças podem ser transmitidas. Assim, recomenda-se ficar sem escovar os dentes e a língua pelo menos três horas antes da pratica de escatologia, ou mesmo do pissing, para evitar microlesões que permitam a passagem de germes. Também recomenda-se não realizar essas práticas se tiver qualquer tipo de ferimento na boca. Da mesma maneira, é importante evitar que fezes e urina entrem em contato com ferimentos que, porventura, existam no corpo, pois estes são portas de entrada para microo-rganismos causadores de doenças.
HW: Para os podólatras: quais os riscos de se lamber botas e solas?
Dom PC: O maior risco é a contração de doenças orais e gastro-intestinais decorrentes de resíduos e sujeiras que podem estar localizados nas botas e nas solas. Assim, recomenda-se sua limpeza antes de iniciar a prática.
HW: Que conselho você dá aos DOMs e DOMMEs sobre a prática de pisar? Quais os lugares mais aconselháveis para usar os capachos?
Dom PC: Em geral, superfícies do corpo com maior densidade muscular são mais aconselháveis, e deve-se evitar pontos em que se possam comprimir vasos e nervos de grande calibre. Quanto maior a área pisada, maior será a distribuição da pressão sobre a superfície do corpo e, consequentemente, menor o risco de lesão. Dessa forma, deve-se ter maior cautela com sapatos/botas de salto fino.
HW: No bondage ou em qualquer amarração – já que não são práticas tão elaboradas quanto o shibari – quais são os lugares melhores para se prender o sub e que cuidados devem ser tomados?
Dom PC: Deve-se evitar formar laçada com corda ao redor do pescoço, de modo a constringi-lo. Deve-se observar atentamente a coloração e sensibilidade das extremidades amarradas (mãos, pés, pênis), pois quanto maior a tensão da corda, maior a probabilidade de compressão vascular e nervosa, comprometendo a irrigação sanguínea e a condução nervosa sensitiva e motora.
HW: Na prática de asfixia, seja com cordas, cintos ou mãos, o corpo “avisa” antes de a pessoa desfalecer? Quais os sinais?
Dom PC: Sim. Usualmente, antes de desfalecer, a pessoa pode sentir tontura, dificuldade de sustentar seu próprio corpo, certa confusão mental, tonalidade levemente azulada/arroxeada da pele e mucosas (oral), dentre outros. Estes já são alguns sinais de que, caso a prática prossiga, a pessoa perderá os sentidos.
HW: Cuspe, saliva e suor: que DSTs podem ser transmitidas por essas secreções?
Dom PC: Em geral, não há transmissão de DSTs por esses meios, devido à pequena quantidade de vírus nessas secreções.
HW: Na introdução de objetos no ânus, que cuidados devem ser tomados?
Dom PC: Primeiramente, muita lubrificação para evitar escoriações, fissuras e lesões no esfíncter anal, observando cuidadosamente o relaxamento da musculatura anal conforme se introduz o objeto. Em segundo, maior cautela ao introduzir objetos rígidos, devido à possibilidade de lesão e perfuração da mucosa retal – o tecido que “forra” internamente o reto –, pois esta é extremamente delicada e bastante suscetível a traumatismos. Vale lembrar que qualquer coisa que penetre no reto e/ou vagina pode transmitir HIV e outras DST, se for compartilhado. Assim, higienizar os objetos antes e depois do uso é de fundamental importância.
HW: O que você aconselha aos praticantes de fisting?
Dom PC: Muita cautela, paciência e lubrificação abundante, para que o esfíncter anal aos poucos relaxe e se adapte conforme se introduz mão, punho, antebraço, evitando que uma distensão abrupta possa lesioná-lo.
Unhas bem cortadas, curtas, sem cantos ou pontas são de importância fundamental. A escolha do tamanho certo das luvas é outro ponto importante, pois uma luva pequena pode rasgar com facilidade e uma luva maior que o tamanho adequado pode rasgar-se também e soltar-se da mão.
Caso se pretenda realizar enema antes da prática do fisting, este deve ser feito algumas horas antes, para que a camada natural de muco do intestino tenha tempo de ser refeita.
HW: Na prática de spanking, quais os principais cuidados?
Dom PC: No Spanking, os atos de chicotear, bater, golpear etc. podem romper a pele, causando sangramentos. Se isso acontecer, o acessório utilizado para a prática deve ser higienizado com cuidado, pois, em se tratando de sangue, o risco de contaminação é alto. Da mesma forma, deve-se atentar para a possibilidade de gotas de sangue serem “jogadas” em qualquer direção pelo movimento das pontas de um chicote, por exemplo.
HW: E para chicotear uma pessoa: quais são os órgãos mais sensíveis e quais regiões do corpo devem ser evitadas?
Dom PC: Na região do tórax (peito e costas) deve-se evitar o spanking com acessórios rígidos ou de grande superfície de contato, pois estes podem causar fraturas das costelas e consequente lesão dos órgãos torácicos (pulmões, coração).
A região lombar deve ser evitada em virtude da presença dos rins, podendo ser realizado um spanking leve com acessório de baixo impacto.
No abdôme, deve-se evitar a utilização de acessórios rígidos e de grande impacto, em virtude da presença dos órgãos que podem não resistir aos golpes e romper-se, já que não possuem proteção óssea externa.
HW: Que parte do corpo é mais frágil e deve ser poupada de impactos mais fortes?
Dom PC: Cabeça, pescoço, axilas, punhos, virilhas, joelhos, tornozelos, pois são áreas de grande densidade vásculo-nervosa ou articulações, com maior risco de lesões graves dessas estruturas.
HW: E sobre balbusting, quais os limites?
Dom PC: Os golpes na bolsa escrotal (chutes, socos, apertões, chicotadas, marteladas etc.) devem ser muito bem pensados e calculados, pois um golpe mal aplicado ou de alta intensidade pode levar à ruptura dos testículos.
Dessa forma, a prática de ballbusting deve sempre iniciar de forma leve, aumentando-se a intensidade de acordo com as reações do submisso. Este deve utilizar a palavra de segurança sempre que perceber que seu limite foi alcançado.
Muito cuidado ao efetuar golpes contra os testículos quando estes estiverem apoiados em superfícies rígidas, pois o risco de ruptura devido ao impacto é muito maior.
Bondage escrotal também requer muita cautela, pois a constrição das cordas pode causar lesão no sistema vascular, não devendo prolongar-se por mais de 15 minutos, sempre observando-se a temperatura e coloração da bolsa escrotal.
HW: Pode terminar por favor com umas dicas sobre o mundo bdsm?
Dom PC: Responsabilidade, autopreservação, consensualidade, bom senso e segurança são as minhas principais dicas para quem adentra ou está no mundo BDSM. Nesse universo, o desejo, que antes estava no plano imaginário, torna-se real, para ser vivenciado, sentido, absorvido e levar o praticante ao êxtase.
Seguindo os três princípios básicos do BDSM, contidos na sigla “SSC”: SEGURO, SADIO E CONSENSUAL, o prazer e a realização podem ser garantidos de forma intensa e segura para ambas as partes, DOM e sub.
HW: Como se escolher um bom sub?
Dom PC: A meu ver, dedicação, respeito, entrega e subserviência são características fundamentais de um bom sub. O bom sub é aquele que atende às vontades e expectativas do seu DOM, segundo o “contrato” firmado entre ambos, tendo sempre em mente sua auto-preservação. O resultado dependerá de como a relação DOM/sub foi estruturada, de acordo com os desejos e expectativas de ambas as partes.
HW: Qual a vantagem de palavras chaves para terminar uma sessão?
Dom PC: Para mim, como DOMINADOR, não existe sessão de BDSM sem palavra de segurança. Ela propicia a minimização dos riscos de uma sessão de BDSM, na medida em que o sub informa ao seu DOM quando seu limite foi alcançado, para que o DOM possa trabalhar este limite e treinar seu sub almejando sempre sua evolução de forma SEGURA, SADIA E CONSENSUAL.
HW: Você curte liturgia?
Dom PC: A liturgia tem seu lugar e seu momento, devendo ser respeitada, mas de forma a não engessar a relação DOM/sub. O modo como um sub deve se portar na presença e ausência de seu DOM, as relações éticas entre DOMs, entre subs, e entre DOMs e subs devem sim seguir preceitos litúrgicos para que haja uma ordem e uma estética. Porém, a meu ver, não deve ser algo tão determinante, para que a relação não caia na artificialidade e no teatral. A liturgia não deve reprimir a explosão de sensações de uma sessão ou de uma relação BDSM, devendo sim ser um balizador de tudo isso.
HW: Qual sua experiencia mais gratificante no bdsm?
Dom PC: Ver o resultado satisfatório do meu treino com sub. Moldar o sub de acordo com a minha vontade e desejo e ver este resultado, por exemplo, ao progredir numa prática, expandindo seus limites e vencendo seus medos.
Uma das vezes que isso aconteceu foi quando um sub já na primeira sessão comigo, apresentou uma excelente evolução na prática de pony play.
HW: E a mais frustrante?
Dom PC: Ter que encerrar uma relação D/s com sub por falta de subserviência.