CONTANDO A HISTÓRIA – ATENÇÃO – Esta postagem faz parte da sequência de publicações que conta a história do que foi este projeto chamado BDSMCAMP BRASIL e vale lembrar que foram 09 edições no total e não existe NENHUMA intenção de promovermos um novo encontro.
RELATO DE EXPERIÊNCIA DO 1º BDSMCAMP BRASIL – INTERNO 05
O começo
Apenas na sexta-feira, dia 18/12, recebemos as orientações para chegarmos ao local do cativeiro. A mansão ficava na serra paulista e durante todo o trajeto sinuoso minha expectativa só aumentava. Era a penúltima casa da rua de chão batido. A vizinhança era silenciosa. De um lado, uma casa abandonada ainda nua com seus alicerces expostos ao tempo, e do outro nem se via a construção. Nos fundos, para o lado onde todas as janelas da casa olhavam extasiadas, uma floresta se estendia até onde os olhos alcançavam no horizonte, cobrindo montanhas que mais pareciam um oceano revolto de textura crespa e verdejante. Eram quatro andares de granito envelhecido e opaco, paredes esfareladas e raros móveis bastante empoeirados. As poltronas esfarrapadas descansando na varanda de frente para o vale, o tapete com marcas daqueles que há tempos atrás apagaram seus cigarros naquelas fibras sintéticas, a piscina com águas negras, as vidraças quebradas e as goteiras incessantes que pingavam das torneiras que sequer lembravam do sabor da água compunham o cenário perfeito da mansão decadente que nos recebeu com a hospitalidade de uma velha senhora abandonada pelos filhos.
Aos poucos todos foram chegando. Éramos sete prisioneiros, desconhecidos uns dos outros, mas cada qual com seus crimes e desejos de dor. Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, hetero, gay, submisso, switcher, advogado, médico, dragqueen… uma Babel que se reunira em nome do prazer sádico e masoquista. Estávamos todos sob o comando de quatro mestres: Dom Barbudo, Dom PC, Mestre Guto Lemos e Mestre Luis. É importante deixar claro que Mestre Breno esteve onipresente em cada chibatada, em cada nó, nas coleiras, algemas, mas principalmente na “maquina” (hummm, eu fecho os olhos e ainda sinto o toque frio do aço no pescoço, punhos e tornozelos!).
Tudo começou devagar. Nós, os sete prisioneiros, ficamos reunidos na varanda, até que as risadas e os assuntos amenos foram interrompidos pelo som pesado e ritmado das pisadas firmes do coturno do carcereiro no chão de madeira do nosso dormitório. Aquela voz de comando trovejou: – Quero todos sentados no chão, enfileirados. AGORA!
Ah, como eu esperei por aquele momento. Calado, sentei no chão frio, descalço, abraçando as pernas, com a cabeça baixa entre os joelhos e esperei ser chamado.
– Tire a roupa Nº 5.
Foi a ordem que recebi assim que fui entregue aos mestres. Mas eu não sei ficar nú e eles riram da minha vergonha. Revistaram minha mala, meu corpo e me encoleiraram. Daquele momento em diante eu abandonava minha identidade baunilha e assumia a persona do Nº 5.
O Sr. Luis e sua dominação psicológica
Quando chegamos para o café, conduzidos pelo carcereiro, os mestres já estavam reunidos no refeitório, mas eu só tive olhos para o Sr. Luis. Alto, magro, ele vestia uma máscara de silicone rosado que cobria o rosto inteiro dando-lhe um ar fantasmagórico e ao mesmo tempo hipnotizante. Suas luvas curtas de couro e o relho passeando nervoso de mão em mão pedindo carne para descansar deixaram-me preocupado, pois eu sabia que não era permitido direcionar meu olhar para ele por muito tempo, mas era impossível não ser pego admirando-o.
Estava na mesa do café, conversando com meus colegas prisioneiros, quando sinto, de repente, meu corpo ser puxado para trás. Fui arrancado daquela realidade pela força de tração na coleira que me fez levantar os pés e me jogar de costas em queda livre para as ordens do Sr. Luis. Ele havia me escolhido. Fui tomado por um medo profundo (ou era absoluta felicidade?).
Ele me conduziu até a varanda do primeiro andar. Sempre de cabeça baixa, eu só via seus coturnos. Fui vendado e amordaçado com silvertipe. Tentei reclamar, pois aquela fita na minha barba faria muito estrago. Foi em vão, ganhei três voltas de fita que me taparam a boca e prenderam meus pelos do rosto e da nuca. De pé e sem equilíbrio, fui amarrado numa coluna de frente para o vale. O sol ameno e o vento fresco foram gentis comigo, mas o Sr. Luis não. Ele abriu minha camisa, fez seu relho lamber minha pele e me fisgar precisas mordidas que me arrancaram gemidos de dor. Ele descobriu meu prazer pelo cheiro do couro e me afogou entre suas luvas de pelica.
Ao pé do ouvido, como quem segreda coisas do futuro, o Sr. Luis descrevia toda a dor que ele queria fazer eu sentir. Com detalhes minuciosos fui obrigado a me imaginar amarrado e largado ao desespero dentro da piscina imunda, vi a escuridão do porta-malas que me serviria de cativeiro antes da humilhação do estupro assistido, ouvi as histórias de dominação alemã que nutriam meus sonhos mais secretos. Até aquele momento, eu não tinha experimentado a excitante arte de ter a palavra narrada só para mim. Era como um oráculo dos meus desejos mais sádicos. Frágil, indefeso e cego eu bebi cada sílaba com sede de náufrago.
Nos raros momentos em que estive abandonado naquele pilar, minha aguçada audição nutriu meu prazer voyerista e pude me deliciar com os gritos dos meus colegas prisioneiros que sofriam de prazer sob a autoridade de outros mestres.
Ah! Como eu senti prazer com tudo aquilo.
No último dia de confinamento, recebi a visita do Sr. Luis novamente. Eu estava preso pelos punhos, feito Cristo, na mesma varanda. Pude vê-lo aproximar-se de mim, devagar, silencioso e com aquele olhar sádico que causa desespero em qualquer presa. Abaixei os olhos e esperei pela dor. Mas ele é mestre na arte de ‘temperar’ a carne. Ele não me tocou. Seu hálito ácido se misturavam com todas aquelas historias de dor e prazer que ele descreveu no meu ouvido, e eu tremi.
Fui surpreendido quando ele silenciou, abriu um bolso do coldre e tirou, lá de dentro, uma camisinha. Mudo, ele me fez ler que aquela não era uma camisinha qualquer, vinha de Berlim. Ah, Berlim! A Meca dos meus desejos estava ali, materializada naquele objeto fálico. Devagar, com o tempo necessário para o suspense e o desespero, ele abriu o pequeno pacote e me fez sentir o cheiro do látex. Hummmm!
– Silêncio, agora você só respira quando eu mandar.
Arregalei os olhos, senti pavor.
– Shhhhhhh, quieto escravo de merda.
Eu senti o látex se abrindo em volta da minha cabeça, a textura espessa e lisa tocando a pele do rosto e meu ar sumindo.
– Abre os olhos. Olhe pra mim. Sou eu quem manda em você. Agora, eu decido quando você pode respirar.
Preso e sem alternativas eu obedeci. Ele se divertiu alternando meus momentos de respiração e desespero. Não adiantava me debater, era proibido falar. Foram a voz dele e as batidas aceleradas no meu peito que me conduziram pela tênue (in)sanidade daquela eternidade.
Tive três momentos com o Sr. Luis. Faltou descrever ‘meu castigo’, mas adianto que em todos os encontros meu corpo experimentou o espasmo do gozo pleno.
2ª PARTE
Meu castigo (ou minha catarse absoluta?)
Não tínhamos autorização para caminharmos pela casa desacompanhados, por isso estávamos sempre encoleirados e presos por correntes que pesavam o pescoço. A interação estre os prisioneiros foi imediata e nossas risadas incomodavam os Srs.. Sabíamos, (in)conscientemente, que nosso comportamento resultaria no (tão desejado) castigo.
Durante minha primeira sessão com o Sr. Luis, fui alertado: – Não quero ver você de risinho com o Nº 1. Vocês não estão aqui em férias.
Mas como evitar o Nº 1? Simpático, sempre de sorriso no rosto, safado e o melhor de tudo: ele era o dono do contrabando de chocolate no quarto dos prisioneiros. Existiam outros contrabandos, de outras fontes, mas essas são outras histórias. O que importa dizer é que me esforcei ao máximo para evitá-lo na hora das refeições. Mas sentávamos de frente um para o outro e nosso contato visual era inevitável.
Depois do almoço, fomos liberados para descansarmos da sessão que durara 3 horas inteiras. Estávamos exaustos. No quarto falávamos das nossas experiências, ríamos das descobertas uns dos outros.
Até que novamente, nossa descontração foi interrompida pelo som pesado dos coturnos no assoalho velho do dormitório. Mas havia outro som, que ritmava descompassado, um som metálico, como de peças desajustadas e frouxas de uma máquina leve. Levantei minha cabeça na direção daqueles sons.
Vi o Sr. Luis entrar no dormitório trazendo seu relho nervoso com fome de carne e o Sub. Moreno (escravo do Dom Barbudo) carregando ‘a máquina’. Nunca havia visto aquele artefato antes. Todo em alumínio negro tinha a forma da letra H. Em ambas as barras paralelas, algemas fixas. Na barra que unia as duas paralelas, emergia outra barra em 90º que finalizava em outra algema fixa, grande o suficiente para prender um pescoço insubordinado. O Sub. Moreno abandonou ‘a máquina’ no meio do dormitório.
– Nº 5. Venha aqui.
Não acreditei no que eu ouvia, era eu quem iria para ‘a maquina’? Controlei meu desespero e desci do beliche.
– Tire toda a roupa.
Todos já sabiam da minha vergonha, isso não era mais importante.
– O Nº 5 recebeu uma ordem hoje pela manhã e me desobedeceu. O que você acha que deva acontecer com ele, Nº 1.
Sim, sem saber, o Nº 1 era a causa do meu problema e ao mesmo tempo meu algoz. Ninguém teria coragem de fazer nada em minha defesa. Sem alternativa, ao Nº 1 só couber sugerir: – Quem sabe ele precise ser castigado Sr.. (Havia certo ar de sadismo naquela resposta. Imaginei um sorriso de canto na boca daquele cretino.)
Tremi.
Fui preso ‘na máquina’. Fiquei de 4, tive os pulsos, os tornozelos e o pescoço imobilizados no metal frio. Fui vendado, amordaçado e privado da audição (minha tão preciosa audição) com um protetor auditivo potente. Não ouvi, não vi mais nada. Fui abandonado ali. Meus joelhos doíam em contato com o chão velho de madeira, eu babava por causa da mordaça, tentava me equilibrar para evitar marcas no pescoço e meu mundo era só silêncio e vergonha.
De repente senti um chute no saco.
Eu urrei de dor e raiva.
Dor. Lancinante dor.
Como puderam? Eu deixara bastante claro que aquele era meu limite. No saco NUNCA. Os protocolos haviam sido desrespeitados. Por mais que eu merecesse aquele castigo, aquilo era inadmissível.
Ouvi burburinhos e em seguida recebi um carinho envergonhado como pedido de desculpas. Não era um carinho de mestre, aquele toque era inseguro e frágil demais. Eu havia sido desrespeitado por um prisioneiro? Naquela situação de exposição eu me sentia humilhado e minha raiva estava potencializada. A confiança estava rompida. Eu só sabia sentir ódio por me permitir estar ali, daquele jeito.
Não sei dizer por quanto tempo fiquei ruminando minha dor moral, mas para mim pareceu uma eternidade.
Só consegui parar de pensar quando senti minhas costas arderem feito brasa incandescente.
– Aaaaaaaaarrrrrhhhh!
Só quem já sentiu a mordedura de um chicote sabe o que eu passei. Consigo descrever a textura de cada fio de couro daqueles dois chicotes que me açoitaram sem avisar. E me arrisco em dizer que eram brancos, pois aquela dor que me queimava as costas era fria, gelada.
Como se não bastassem as chicotadas, um relho perverso decidiu aquecer a sola dos meus pés. Aahh, como dói! Era minha primeira sessão de spanking. Da sola dos pés aos ombros, não restou nenhum centímetro quadrado de pele que não sentisse o toque violento do couro.
Eu urrava, não sei se de dor ou de raiva, mas urrava com todas as minhas forças. Eu precisava fazer algo por mim. Num ato de desespero, livrei-me da mordaça, do protetor auditivo e gritei:
– Não fiz nada de errado para merecer esse castigo. PORRAAA!!
Silêncio absoluto. Imagino que todos os presentes estavam surpresos com minha audácia.
– Você quer pedir amarelo ou vermelho sub.? Ouvi aquela voz cavernosa no meu ouvido me desafiando.
Eu já havia extrapolado todos os limites, não havia como recuar. Respondi entre dentes:
– Não Sr., só estou dizendo que não mereço ser castigado dessa forma.
O que decorreu em seguida é irrelevante.
Os mestres não estavam presentes no que havia desencadeado minha raiva. Aquela catarse estava fundamentada, mas eles só viram meu descontrole injustificado. Foi necessário esclarecermos todos os fatos e tudo se resolveu. Cada qual com seu castigo.
No final de tudo, o resultado pra mim foi assustador: estabeleci uma relação de verdadeira adoração pela ‘maquina’ e estou apaixonado pelos chicotes!
3ª PARTE
Dom Barbudo: o Deus nórdico da dor
Feito um ladrão na idade antiga, fui preso pelos punhos com os braços abertos, estendidos de lado a lado. Ainda sem enxergar, ouvia às minhas costas o rangido do couro na pele dos outros, o som metálico das correntes que se arrastavam no tapete velho e o som da dor (ou era de deleite?). À minha frente era só mato, vento e paz.
Eu estava aproveitando para contemplar. Sim, contemplar! Mesmo sem visão, minha audição permitia desenhar aquele lugar com todas as suas nuances. O problema eram aqueles malditos cães que não me deixavam em paz. Tínhamos dois cães na casa. Eles pulavam nas minhas pernas, cheiravam meu saco, mordiam meus pés… aff, odeio cães. São dependentes e necessitam de atenção ininterrupta, além é claro de serem inconvenientes na sua docilidade. Acho lindo ver aqueles corpos nus andando de quatro sob as ordens da guia presa ao pescoço, os rabos frenéticos de um lado ao outro, a fucinheira, as luvas… mas não me toquem sem que eu queira. Preso, eu era alvo fácil daqueles quadrúpedes. Mas, logo encontravam outra distração e eu ficava ali, abandonado na minha contemplação.
Ouvia o ronco dos bugios na floresta. Dizem que as capelas (coletivo de bugio) são comandadas por um macho alfa; e essa relação de dominação os faz muito interessantes. Pelo volume da algazarra pareciam de um grupo grande de animais. Imaginei mais de dez, rugindo alto, cada qual no seu galho de árvore, espectadores de uma cena de coito forçado onde o macho alfa humilhava publicamente um jovem bugio atrevido que ansiava pelo poder. Eu ri sozinho, porque dentro da casa as coisas não estavam muito diferentes.
Fui arrancado do meu devaneio por uma boca mordendo meu mamilo esquerdo. Um par de mãos fortes me segurou firme pela cintura para que a barba grossa desenhasse arabescos em todo meu torço. Imobilizado e com a boca lacrada pela fita adesiva, o máximo que eu podia fazer era me contorcer e gemer. Aquela boca muda percorreu meu peito causando prazerosa dor. A barba denunciava o agressor, era Dom Barbudo que visitava meu corpo pela primeira vez.
Mas ele não queria apenas isso, não era só o prazer, ele queria meus segredos. Cravou os dentes de meu peito. – Por favor Sr., dói. – Largo em troca de um segredo teu. Que segredo? Como articular qualquer raciocínio lógico com tamanha dor? – Aaahh!! – Vamos. Um segredo que valha a pena ser contado.
Admiti encabulado, porque fui obrigado: – Eu procurei o Sr. meses atrás, mas o Sr. não me quis porque eu moro longe.
Percebi sua surpresa. Insaciável, ele conseguiu arrancar outros segredos meus e se foi.
Silêncio e abandono. Larguei meu corpo sob a tração das cordas e senti o vento.
Quando ele voltou, veio por trás. Descansou a barba na esquiva que o pescoço forma entre a o ombro e a orelha. Meu corpo respondeu em braile dizendo que aquilo estava bom demais. Entendi que ele não gostou do que leu, e foi por isso que resolveu apagar o texto com gelo. – Huummmmm…
O dia estava nublado e muito abafado, meu corpo estava quente e reagiu com espasmos ao toque gelado do Dom Barbudo. Aquele gelo derreteu rápido no meu peito, nas minhas axilas, na nuca e nas costas. Mas ele tinha outros mais e a minha pele foi ficando fria. Lavado em gelo, o corpo respondia rápido ao vento que trazia o cheiro de mato. Eu me contorcia em prazeres doloridos. O auge foi sentir aqueles dedos gelados descansarem no meu saco. – Aahrrrrrr! Enquanto conduzia a tortura fria, seus dentes aprisionavam minha orelha e me perguntavam: – Qual o meu nome?
Quem? Como? Onde? Eu não estava raciocinando direito e ele repetia a pergunta: – Qual o meu nome? Consegui reunir forças para dizer: – Deus!
Eu não conseguia pensar em nada mais adequado ao tamanho do prazer que ele me proporcionava. Eu procurei na memória o nome de um deus nórdico, ruivo, que manipulasse o frio com as próprias mãos, mas não fui capaz de tamanha sagacidade. Ele riu da minha insensatez e eu prometi descobrir seu verdadeiro nome.
No dia seguinte, quando tive a oportunidade de escolher minha dor, olhei pra Dom Barbudo e pedi: – Sinto saudades do chicote. Seus olhos brilharam e ele ordenou: – Tire a roupa.
Naquela altura eu já não sentia vergonha na minha nudez, eu estava com pressa do toque do couro. O Zuco (de quem desejei o toque, mas fui ignorado) fechou as presilhas da maquina prendendo-me ali, de novo.
Apanhei. Pelos deuses ruivos da Noruega(!!), como é bom sentir as tiras de couro cantando no lombo. Meus gritos não foram de dor, foram de libertação. Sim, ajoelhado e nu, de quatro naquele tapete velho e imundo, estabeleceu-se meu paradoxo de identidade particular: eu precisei ser preso para me sentir liberto. Livre! E eu voei de mim. Voltei porque aquele deus nórdico gosta de frio e ele fez o gelo dançar nos veios que o chicote marcou no meu corpo.
O calor do couro, o frio do gelo, a doçura da boca, a bravura dos dentes, a dor, o prazer… foram tantas contradições que ele me oportunizou, mas algo está incompleto: eu sequer sei seu verdadeiro nome.
Dom PC: a dor que redime
Fui o primeiro prisioneiro que chegou na mansão, entrei e fui direto para a varanda de onde pude vê-las no jardim. Eram botas de bico fino, num tom de marrom pinhão, com detalhes em metal (imaginei as esporas). Somente depois eu vi o contraste da pele branca com o xadrez vermelho da camisa. Quem seria ele? Descobri na entrevista de acolhimento.
Quando fui entregue aos mestres, pude vê-los todos reunidos. Ele vestia couro, apenas couro. Luvas longas, calça, botas, jaqueta, boné. Foi ele quem me revistou: – Mãos na parede. Pernas abertas.
Quando a luva de couro tocou meu corpo… huumm… tive meu primeiro espasmo. Ele entendeu o que estava acontecendo comigo e gostou. Eu estava sob a tensão da expectativa, o tesão exalava por todo aquele lugar e quando ele me fez sentir o cheiro das suas luvas eu quase perdi a força das pernas. Ele precisou me segurar com o outro braço, prendendo meu corpo no couro que ele usava.
Logo percebi que ele era cobiçado pelo Nº 1. E o Nº 1 era atrevido ao ponto de invadir seu quarto na madrugada. Aos outros só nos restava olhar e admito que só olhá-lo era o suficiente para alimentar meus fetiches. Mas o destino é justo com os pobres e no sorteio da sessão individual do último dia quem foi o agraciado para padecer sob aquelas luvas de couro fui eu. Senti um certo arrependimento, porque via o desejo do Nº 1 e achava aquilo excitante.
Fui levado para o quarto do Dom PC.
– Tire a roupa Nº 5.
Àquela altura eu não entendia a necessidade do uniforme. Ficávamos nus toda hora. O estranho era ter que usar alguma roupa. Aprendi rápido a não ter vergonha da minha nudez.
Dom PC parecia gentil. Vestiu-se todo de couro para meu prazer, mas era só um pretexto para me convencer a fazer o que se seguiria.
Recebi a ordem para deitar no chão do quarto. Ele pisou em mim com tanta força que fui obrigado a trazer comigo o desenho do solado de sua bota, marcado no meu peito feito xilogravura estampada com graxa. Não reclamo, guardei aquele presente atravessado na retina como suvinir daquele primeiro encontro. A compensação de tanta dor era doce. – Pode me tocar Nº 5.
Toquei, senti sua saliva na minha boca, minha língua na sua pele, seu cheiro de couro e aquele beijo… ahhh! que beijo bom.
Sentado na cama, ele me colocou de joelhos no chão entre suas pernas e me apresentou os grampos de metal. – Não, por favor, não. Eu imaginava toda a dor que aqueles pequenos seres do mal poderia me causar e eu implorei. Em vão. Fiquei imóvel, sem respirar, fechei os olhos e esperei pela dor. Primeiro um, depois o outro e eu só conseguia emitir sons guturais entre os dentes. Mas os grampos estavam ligados por uma corrente pesada que os obrigava a esticar meus mamilos até o chão. Como senti dor. Minha fuga foi deitar o peito na cama para aliviar o peso da corrente.
Toda a gentileza de Dom PC sumira. Só pude sentir seu sadismo em me ver sofrendo. Abandonado, ajoelhado no chão, com o peito na cama e nu ele pegou seus chicotes e me mostrou sua força. Mas eu já havia descoberto o quão redentora é a dor. A medida em que sofria no seu chicote, Dom PC me fazia falar sobre minha raiva, minha auto flagelação pela estupidez do livre arbítrio mau direcionado e sobre o meu desejo de querer ver a dor do outro. Foi catártico!
Ele sabe que foi cruel comigo. Aqueles olhos doces admitiram seu sadismo justificado por minhas expressões de dor; ele sentiu prazer em me ver sofrendo. Fiquei mais tempo que o indicado com aqueles grampos do demônio mamando meus peitos, mas a dor da sua ausência nem se comparou com o que eu estava sentindo até aquele momento. Eu vi a luz! Juro que vi a luz. E como se não me bastasse, Dom PC apertou meus mamilos com força. Senti meus pulmões sendo arrancados do peito como naqueles filmes em que o carrasco retira o coração do prisioneiro abrindo espaço com as unhas. Eu urrei.
Antes de voltarmos para o salão principal ele sentenciou: – Toda vez que você tocar seu peito, vai lembrar de mim.
Os prisioneiros e eu
Nº 1
Gato, safado, maroto, debochado, bem humorado, inteligente. Vão me render bons momentos de prazer solitário lembrar das imagens dele vestindo a camisa de força em couro, a borboleta em látex e o zentai preto.
Nº 2
Assim que o vi eu quis beijar sua boca. Quem vê aquele ar de cowboy misterioso se surpreende com o dog atrevido que reside naquele moreno marrento.
Nº 3
Ainda se prende em rótulos heteronormativos, mas que bom que extrapolou a barreira do inusitado e veio experimentar o prazer da dor. Era, sem dúvida alguma, o mais esquisito do grupo. Grita em vez de soluçar, fala russo dormindo e não admite para si mesmo seus prazeres homoeróticos. Soube conviver bem com a alcunha de corno.
Nº 4
Nossa drag queen se mostrou um dog absolutamente obediente e elegante. A cena dele descendo as escadas com um vestido esvoaçante e jogando os cabelos longos e negros ao vento é memorável!
Nº 6
Como esse homem gosta de falar! Para tudo ele tem uma opinião ou uma solução mais adequada. Compartilho com ele o absurdo de não nos oferecerem água gelada. Foi lindo ver seu prazer com o eletrochoque enquanto esteve preso no saco.
Nº 7
É um tarado. Tem um coração gigante, é gentil e carinhoso, mas é um tarado.
Nº 5
Quero que meu nome seja Moreno, mas insistem em me chamar de “Nº 5”, então assumirei a alcunha de Moreno Nº 5. Quero ter 33 anos de idade, mãos fortes, uma barba negra e um olhar determinado. Da minha boca, quero que o mundo ouça absurdos possíveis e que minhas mãos materializem sonhos inconfessáveis.
Não sou o mesmo que chegou na mansão naquela sexta-feira. Não sou melhor que o antigo, sou apenas diferente. Descobri prazeres que até então eram apenas projeções fantasiosas de fetiches distantes. Conheci pessoas lindas que quero transformar em boas amizades. Experimentei meus limites e redescobri a liberdade que o prazer pode me proporcionar.
Meu dono não me tocou fisicamente, mas esteve presente acompanhando meu processo de amadurecimento. Sou agradecido pela condução tão correta, segura e responsável pela qual ele tem me guiado nesse universo tão confuso e cheio de meandros sedutores.
Preciso confessar meu último crime: não devolvi meu uniforme e nem pretendo fazê-lo. O Nº 5 é meu, assumi como meu nome por vontade própria porque representa meu ritual de passagem para o lado de lá da força. Podem acontecer meio milhão de edições do BDSMCAMP BRASIL (e faço votos para que aconteçam), mas nunca na história haverá outro para ocupar meu lugar.
Foi um prazer!
Uma resposta
Cada relato destes me rende várias sessões de “amor próprio”, rsrs