Entrevista para o Amigo Fausto Fardado realizada em Out/2017 e recuperada após a exclusão da coluna no Site IGay.
1 O que são os concursos Internacional Mr Leather e Mr Leather Brazil, qual a importância e como foi para vc ser o primeiro no Brasil? Foi também o primeiro da América Latina lá?
Podemos dizer que os dois concursos são voltados para a escolha de homens que vestem couro e tem como diretriz a Difusão da Cultura Leather, mas é muito mais que isso. Na verdade o concurso IML (Internacional MR Leather ) iniciou como um concurso de beleza, mas depois com o advento da AIDS, acabou tendo também esta finalidade, a filantrópica, pois tornou-se um grande evento que envolve não só o concurso mas também eventos paralelos, como debates, cursos, feira de produtos ligados ao leather e a prática do BDSM, festas entre outros. Ao final do evento todo o dinheiro arrecadado é doado para instituições e a comunidade gay.
Já o Mr Leather Brazil é um concurso nacional que escolhe o seu representante para a comunidade Leather Brasileira e serve também para indicar o nosso candidato no Concurso Internacional. Vale lembrar que fui o primeiro ganhador do concurso brasileiro enquanto o internacional vai para a sua 40ª edição, por este motivo a diferença de finalidades, mas um dia também chegaremos lá.
2 Como foi a recepção?
Foi muito calorosa. Desde o primeiro momento que cheguei no hotel fui recebido com muita gentileza e presteza, não só pela equipe de Staffs, mas percebia uma alegria dos jurados e do público em geral.
Um dos momentos mais emocionantes da viagem foi quando fui apresentado a um senhor, que pertence a comunidade há mais de 50 anos e ele me agradeceu por ter levado o Brazil a participar, me abraçou e chorou. Olhou nos meus olhos e disse, você representa o início da minha jornada e da nossa comunidade lá no começo de tudo. Citei ele pois acredito que representa toda a emoção e recepção das pessoas com quem compartilhei esses momentos.
Por todo este contexto, ter ficado em 10º lugar entre os 63 candidatos presentes foi um feito histórico para o nosso país, considerando uma primeira participação, depois de 38 anos de existência do Concurso.
3 Como se deu seu primeiro contato com a cena Leather e Bdsm?
Digamos que foi instintivo desde a infância, quando já desejava a jaqueta do meu tio, mas eu não sabia o que isso representava. Depois seguiram –se os filmes pornográficos com apelo leather e fetichista, até então, por pura ingenuidade acreditava que tudo isso era enredo ou estória para os filmes, foi só no ano de 1999 em uma viagem internacional que fui, por acidente, em um bar Leather , com algumas cenas de dominação e tudo o que eu desejava e imaginava materializaram-se. Desde então meu universo é este: das roupas de couro e das práticas de BDSM.
4 Como vc enxerga o desenvolvimento da cena no Brasil?
A cena no Brazil depende de alguns heróis que vêm mantendo e proporcionando, com muita dificuldade, possibilidades para que possamos nos reunir, conhecermo-nos e quem sabe formarmos uma comunidade, a exemplo do que existe fora do nosso país.
Com a difusão da informática esta história avançou bastante nos últimos anos, mas estamos na estrada há bastante tempo.
Lembro que há mais de 15 anos atrás éramos pouquíssimos e nas festas tínhamos raros caras vestidos em leather, mas hoje em dia além desses, temos outras pessoas que trazem seus fetiches para as festas e com encontros regulares, estamos nos unindo e formando um grupo cada vez maior de simpatizantes ou mesmo praticantes da cultura.
5 Quais foram os requisitos para o concurso fora do Brasil?
O principal requisito para participar do evento é ser escolhido através de um concurso regional ou ser patrocinado por uma entidade de couro. Este bar ou clube não pode praticar ou ter como linha geral a difusão de práticas como bareback, por exemplo.
Já lá no concurso, que acontece durante quatro dias, as eliminatórias envolvem várias etapas, como avaliação da imagem de couro, discurso, interação com o público e entrevista psicológica, entre outros.
6 Como surgiu a ideia para criação de sua masmorra?
Quando me dedico a algo, entro de cabeça e com a masmorra não foi diferente.
Eu sabia que para praticar com intensidade, precisava de um lugar específico para isso, com um clima e cenário característico, além de um espaço para guardar as minhas roupas e acessórios.
Este espaço não poderia ser no mesmo local onde moro, são universos diferentes e que não se misturam.
O Studio 57, apelido que dei para a minha masmorra, virou uma referência, não só por que é lá que pratico as minhas sessões, mas é um espaço livre, um território onde as pessoas que pisam podem vivenciar com segurança seus desejos e fetiches mais íntimos.
Para os amigos também é um refúgio ou um ponto de encontro. De certa forma, a masmorra é o meu terreno livre para viver meus desejos, fetiches e a essência do meu prazer.
7 Inicialmente quais eram as referências adotadas por Leather Mam no Brasil?
Não só inicialmente mas ainda hoje, por falta de grandes lojas físicas de produtos leather, temos a tendência de importar, não só o modelo, mas também as roupas como jaquetas, calças, botas, etc… de outros países e por isso a nossa identidade ainda é bem parecida com aqueles da Europa ou dos Estados Unidos, lugares onde a cultura teve seu surgimento e difusão.
8 Quais conselhos para quem quer entrar no meio Leather?
Que não deixe de viver seu desejo pela falta do vestuário, pois isto se adquire com o tempo.
Que leia e informe-se sobre os códigos de comportamento e que entregue-se ao fetiche, pois a melhor coisa do mundo é permitir-se viver a sua essência e ser feliz com isso, sem julgamentos ou medo da coletividade que muitas vezes, pode achar estranho ou diferente.
Estranho é passar pela vida sem o sentimento de felicidade plenitude e prazer.
A calça, jaqueta, botas, luvas, quepe, isso tudo um dia se compra, mas nada disso tem graça se não for intenso, verdadeiro e fizer parte da essência do indivíduo.
O prazer é muito pessoal e de forúm intimo, entregue-se e viva intensamente e com segurança, obviamente.
9 Existem práticas específicas de fetiche dos Leather?
Muitos caras que vestem couro tem desejos pelo vestuário e toda a representação deles, como um jaqueta de motoqueiro, por exemplo, que remete a masculinidade, ao poder de um cara que se veste assim, então é natural que as pessoas mantenham as vestimentas em um momento sexual, ou mesmo nas preliminares.
Por este motivo também o couro está ligado às práticas do BDSM, pois é muito comum encontrar os acessórios em couro, como algemas, chicotes, vendas, luvas, botas, tudo remete ao cheiro, a textura e cria-se a cena, tendo o couro como um dos maiores desejos.